Luísa Sonza lamenta exposição em série em que ela mesma expõe cada detalhe da sua vida

13/12/2023 10:32
Por Dora Guerra / Estadão

“Tô triste por antecipação. Quando sair o documentário, o cancelamento que vai vir…”, comenta Luísa. Essa é uma das primeiras cenas de Se Eu Fosse Luísa Sonza, série documental sobre a artista que estreia na Netflix nesta quarta-feira, 13.

O dilema fica claro já nesse primeiro momento. Luísa teme todo o ódio descabido que recebe, mas responde com mais exposição. É a grande questão da série e da carreira dela: o quanto disso é saudável?

Alternando entre o passado e o presente, Se Eu Fosse Luísa Sonza expõe ainda mais a história da artista. Conta sobre o grupo musical adolescente Sol Maior, o relacionamento com Whindersson Nunes e entra na carreira solo da cantora. São mostradas gravações desde a produção do disco Doce 22 até o lançamento de seu álbum mais recente, Escândalo Íntimo.

O tom nessa trajetória é de dificuldade: mesmo ao abordar a infância da cantora, ficam pistas de que houve sofrimento em cada passo.

Luísa, que agora tem 25 anos, toca no assunto feminismo e conta que muito do que sofreu foi por ser mulher. Ressalta que, ao se casar com Whindersson ainda jovem, era chamada de interesseira; ao se separar, era chamada de meretriz (para usar um termo suave). De fato, não há justificativa plausível que sustente tudo o que a artista ouviu. A vida dela e da família já foi ameaçada por internautas em mais de uma ocasião.

Mas a trajetória de Luísa cresceu, também, graças ao que ela fez com esse ódio descabido. “P*ta, v*gabunda, interesseira” virou verso de música, entoado por milhares de pessoas. Foi isso que ela transformou em potência, o que até aparece na série – rapidamente. “Eu fazendo meu trabalho, e escutando só besteira”, canta.

“Porque quando eu despejo tudo na música, o sofrimento não fica todo em vão”, diz ela. Mas pouco do que Sonza fez criativamente é descrito por ela no documentário. Boa parte das decisões de carreira dela não são sequer mostradas em depoimento da artista, mas de sua equipe.

Na verdade, o documentário (que tem episódios intitulados “O mundo é um moinho”, “Eu sou minha própria hater” e “Escândalo Íntimo”) não se demora muito na música. Mostra o Rivotril que a artista toma, uma sequência excruciante de shows, as ondas de hate. Talvez a ideia fosse mudar a opinião de quem a odeia – o que geralmente é em vão -, transformando raiva em piedade.

O resultado é um meio do caminho estranho, quase sádico. Ficamos em uma encruzilhada como espectadores: devemos admirá-la ou nos compadecer? Luísa foi vítima de muitas coisas terríveis, mas não é uma coitada. Sofre, mas tem privilégios. E tem poder, tem voz, tem palco para responder.

Mas não. Luísa é mostrada como uma pessoa que quer, mas não consegue sustentar o dedo do meio às críticas. Aquele que suas referências, de Rita Lee a Madonna, levantaram. E isso mal é verdade – em muitos momentos, Luísa optou por enfrentar quem a xinga. Dobrou a aposta, até.

Se Eu Fosse Luísa Sonza perde a oportunidade de retratar justamente isso: Sonza como agente de si mesma. É o oposto de Vai Anitta, que mostrava uma artista imponente, com poucas vulnerabilidades e muita confiança. O documentário sobre Luísa a desenha como uma passageira quase passiva de sua carreira que, quando mudou a opinião pública a seu favor, foi por um tweet impulsivo e acidental.

(Simbolicamente, um dos poucos momentos em que a artista não é retratada como vítima é quando fala do caso de racismo, sozinha com uma câmera de celular. Tem sobriedade e consciência na fala, independentemente de saber se o espectador acreditará no que ela diz. É, finalmente, Luísa contando sua narrativa dos fatos).

A produção tem a pretensão, notável, de abordar todos os assuntos na vida pessoal de Luísa. Para tanto, o agora infame relacionamento com Chico Moedas também aparece rapidamente.

É um momento leve do documentário, em que a cantora se alegra sobre seu novo disco e fala de um amor “inocente, que pode durar pouco”. Mas até a forma com que isso é retratado perde fôlego: após as falas da cantora, um lettering anuncia que a canção Chico era número 1 do País “quando Chico traiu Luísa” (sic).

É um texto branco sob tela preta. Recurso usado na série para falar do hiato de Luísa para cuidar da saúde mental, a morte de Marília Mendonça, a acusação de racismo etc. E a traição de Chico. Os grandes (e graves) acontecimentos da carreira de Sonza são tratados com o mesmo recurso visual que uma traição em um namoro de meses.

E para quê? Ao sugerir um momento celebratório – as músicas e os números do novo álbum -, a obra dá a entender que Sonza fez sucesso ‘apesar de’. Não nos dá a chance de vê-la como uma artista forte, que se consagra ‘por causa de’ suas criações, quem é, o que viveu.

Dizem que quando uma artista pop assina um contrato milionário, ela é colocada em uma “gaiola de ouro”: recebe investimentos altíssimos rumo ao sucesso, mas perde o poder de decisão. Se torna coadjuvante – e ilustração – de sua própria carreira. Ao fim do documentário, a impressão subliminar é de que Sonza está presa na gaiola de ouro.

Ela não se sente bem durante as gravações; não quer fazer tantos shows em sequência, mas faz; não quer aqueles prazos para o álbum, mas os segue; nem sequer aparenta querer aquele documentário. A gaiola de ouro não costuma ser tão transparente.

No fim das contas, Se Eu Fosse Luísa Sonza é um excelente título. Nem ela parece fazer o que gostaria, se só ela fosse Luísa Sonza.

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