‘Maria Callas’ põe na tela a dor de uma diva quase esquecida
Com Maria Callas, Pablo Larraín completa sua trilogia de mulheres poderosas – e trágicas – iniciada com Jacqueline Kennedy (Jackie) e a princesa Diana (Spencer). Com Callas, o material é abundante. Vemos a cantora lírica, a maior do seu tempo (rivalizando, talvez, com a italiana Renata Tebaldi), na fase final de sua vida.
Maria Callas (1923-1977) nasceu em Nova York, mas é grega até a alma. Trágica. Morreu em Paris, praticamente sozinha, acompanhada, em seu apartamento, pelo mordomo e chofer (Pierfrancesco Favino) e pela camareira (Alba Rohrwacher).
Perdeu a voz e tenta recuperá-la (em vão) para uma tentativa de volta aos palcos. Entope-se de barbitúricos. Pílulas para dormir e pílulas para se manter acordada. Uma combinação terrível para o coração, o órgão. E o coração, no sentido figurado, também estava ferido e combalido, jamais se recuperando do amor mal curado pelo magnata grego Aristóteles Onassis (Haluk Bilginer), que a abandonou – justamente por Jacqueline, viúva flamejante de John Kennedy, o presidente assassinado.
O filme nada tem de banal. Não espere uma cinebiografia quadrada e convencional de uma figura pública. Larraín usa da fantasia, da imaginação, e procura jogar na tela o que pode se passar na alma dessa diva já quase esquecida, mas que se lembra dos seus dias de glória. Precisa ser reconhecida (no sentido literal e no figurado), como todo ser humano. Mas em proporção que apenas os que foram famosos e um dia deixaram de ser podem sentir. É doloroso. E, por isso, não podemos deixar de sentir empatia por essa deusa caída, muito bem interpretada por Angelina Jolie.
Sim, sim: em Maria Callas há muito de Norma Desmond, a diva do cinema mudo caída no anonimato no clássico de Billy Wilder Crepúsculo dos Deuses. Mas há essa particularidade da vida de Callas – a música, a ópera, o canto lírico feminino do qual ela foi praticamente o sinônimo, o ápice. Por isso, suas memórias são “invadidas” e capturadas pelas imagens da ópera. Por exemplo, numa cena linda, em que caminhando por Paris, em Chaillot, defronte à Torre Eiffel, ela vê os transeuntes se transformando em figurantes de uma ópera e cantando diretamente para ela.
FELLINI
Esse recurso de transição entre realidade e fantasia é usado várias vezes. O teor lírico do filme facilita essa transposição, pois, afinal como se diz, a vida é palco – ou picadeiro, segundo alguns. Particularmente Fellini, que dedicou à ópera um dos seus grandes filmes – E la Nave Va. A personagem de Edmea Tutea, cujas cinzas serão jogadas no mar da ilha de Ischia, seria inspirada em Maria Callas – ou em Tebaldi? Ou fruto da imaginação inesgotável de Federico?
Qual a dor maior de Callas? A do abandono do amado ou da perda da voz? Para onde foi toda a glória e a felicidade do passado, essas “neves de outrora” de que fala Villon? Tal a melancolia da personagem e o tom de um filme apoiado muito na intensidade emocional do canto lírico para emocionar o público.
No entanto, para além dessa emoção, há outros elementos a compor a personagem, numa visão em mosaico. O cineasta que a entrevista para um filme sobre sua vida; o pianista que tenta ajudá-la a recuperar a voz; o médico que a desaconselha e diz que o esforço pode ser fatal; o repórter sensacionalista, que grava uma fita em que a diva desafina durante uma de suas tentativas.
Esses pontos de vista compõem o retrato multifacetado de alguém genial, porém humanamente em crise quando tudo parece abandoná-la. É tão difícil não se emocionar com Maria Callas quanto permanecer indiferente a La Traviata.
Maria Callas
Cinemateca Brasileira. Lg. Sen. Raul Cardoso, 207. 6ª (18), 21h40
Shopping Frei Caneca. R. Frei Caneca, 569. 4ª (23), 17h10
Reserva Cultural, sala 2. Av. Paulista, 900. Dom. (27), 19h10
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.