Marielle Franco: após 5 anos, família crê que a política ajudará a solucionar caso
Cinco anos depois do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), completados nesta terça, 14, parentes da parlamentar assassinada apostam na mudança de clima político no Brasil, com a chegada ao poder de Luiz Inácio Lula da Silva, para que os investigadores do crime – no qual também foi morto o motorista Anderson Gomes – cheguem ao motivo e ao mandante (ou mandantes) do duplo homicídio.
A recente entrada da Polícia Federal nas apurações trouxe novo alento a familiares da ativista morta, embora defensores de direitos humanos que acompanham o caso considerem que as apurações estão empacadas há anos e demonstrem ceticismo em relação à medida.
Desde a prisão de Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz como executores, ainda em 2019, não há notícias sobre avanços nas investigações, marcadas por trocas de delegados e promotores e até por uma longa espera por resposta a um pedido de informações da polícia ao Google, que será examinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Não foi apenas a saída de Jair Bolsonaro do Palácio do Planalto que animou os familiares da vereadora morta. O comprometimento com as investigações, que julgam ter identificado no novo governo – do qual Anielle Franco, irmã de Marielle, é ministra da Igualdade Racial -, trouxe esperança de que finalmente haverá um desfecho para a apuração do crime, que consideram político.
A entrada da PF nas investigações
No fim de fevereiro, o ministro da Justiça, Flávio Dino, determinou a entrada da PF na investigação, em colaboração com a Polícia Civil do Rio e o Ministério Público estadual – após um acordo com a Procuradoria Geral de Justiça fluminense, evitando a ideia de que a iniciativa era uma intervenção federal no inquérito estadual. Acredita-se que a PF dispõe de tecnologias mais modernas, que poderiam acelerar a apuração, além de contar com um núcleo de inteligência bem capacitado.
“Há muitos indícios, eu diria até óbvios, de que os executores não agiram sozinhos”, disse Flávio Dino depois de anunciar a entrada da PF na investigação. “Por isso, é muito importante retomar e concluir as investigações, para que haja Justiça plena e também para que todos entendam que a política se resolve no voto e não na bala, como alguns, infelizmente, acreditavam e ainda acreditam.”
Novos promotores são designados
Na semana passada, o procurador-geral de Justiça do Rio, Luciano Mattos, designou sete novos promotores para compor a força-tarefa responsável por investigar a morte de Marielle e Anderson. O crime provocou protestos no Brasil e em outros países e gerou cobranças ao governo brasileiro no exterior. Os novos promotores ainda não tiveram tempo de ler o inquérito, mas já se reuniram com os parentes de Marielle e Anderson, além de representantes da Anistia Internacional e da Justiça Global, que acompanham o caso.
“Eu continuo confiante. Tenho que manter essa esperança sempre. Não posso, em momento algum, depois desses cinco anos, desanimar. É meia década de incerteza, de mudanças na Polícia, no Ministério Público, nos governos, mas a gente está confiante”, afirmou a mãe de Marielle, a advogada Marinete Silva. “Agora, com o aval do presidente Lula, acredito que vamos conseguir avançar. Do Flávio Dino também, que se comprometeu, publicamente, a ajudar, que colocou a Polícia Federal à disposição.”
Ceticismo no exterior sobre o caso
Diretora da Anistia Internacional no Brasil, Jurema Werneck reconheceu que o clima político atual é mais favorável à elucidação do crime. Ainda assim, mostrou-se pouco otimista com o futuro das investigações.
“Já passou tempo demais. Não temos resultado nenhum, ninguém foi condenado, os mandantes não foram estabelecidos, as causas não foram explicitadas”, afirmou.
“O que a gente tem são seis delegados de polícia, dois procuradores-gerais de Justiça, onze promotores. As coisas se perderam. O Brasil se perdeu e nós já perdemos muito. Mas, claro, tenho esperança de que consigam recuperar parte do que se perdeu para apresentar uma resposta.”
O defensor público Fábio Amado, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Rio, que acompanha o caso, concorda com a diretora da Anistia Internacional.
“Percebemos uma lentidão nas investigações em relação ao(s) mandante(s) e as constantes trocas dos responsáveis nos respectivos órgãos públicos certamente aumentam a demora na solução desse inquérito”, afirmou. “O ingresso da Polícia Federal, com seu aparato tecnológico, pode contribuir substancialmente com as investigações.”
Jurema Werneck se mostrou menos confiante em relação à PF.
“A PF já poderia ter respondido se a arma usada no crime era mesmo da Polícia Civil, se a munição usada, da Polícia Federal, foi desviada nos Correios”, enumerou. “Veja quanta coisa a PF já poderia ter respondido, que não dependia da investigação do Rio, e não respondeu até hoje. Então, não há nenhuma evidência de que a chegada da PF vá melhorar as coisas.”
Desde a prisão de Ronnie Lessa e Élcio Queiróz em 2019, poucos dias antes de o crime completar um ano, nenhum resultado oficial da investigação foi apresentado nem pelo MP, nem pela Polícia Civil.
Google é requisitado para fornecer dados
Ainda no inquérito que apontou Lessa e Queiróz como executores, a polícia requisitou ao buscador Google que liberasse os dados de todos que fizeram buscas com o nome da vereadora ao longo de quatro dias antes do assassinato e no próprio dia do crime na região do Centro onde houve a emboscada. A empresa acatou outros pedidos da Polícia, mais específicos, mas considerou que a quebra de sigilo ampla e aleatória pedida pelos investigadores é inconstitucional.
A questão segue em debate, agora no STF.
“O grande problema é que a polícia parou nessa história de receber as respostas do Google”, afirmou o presidente da Comissão de Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio, Rafael Borges. “Não sei se a PF tem aparato técnico para avançar nisso.”
Jurema Werneck concorda.
“Se formos depender só do Google para investigar homicídios não chegaremos a lugar nenhum”, criticou. “Existem outras técnicas de investigação, o Google é um buscador para nós, não para a polícia. A verdade é que correram para apresentar Ronnie Lessa e Élcio Queiróz como executores, e nos quatro anos seguintes, não aconteceu mais nada. A investigação parou no primeiro ano.”
Outro problema apontado é o que familiares e defensores de direitos humanos consideram falta de transparência nas investigações. Apenas o MP e a Polícia Civil têm acesso aos autos do inquérito que apura os mandantes do crime. Os advogados das famílias das vítimas e a Defensoria Pública pedem o mesmo direito no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
“Quanto ao inquérito policial referente ao mandante, não obtivemos acesso, mas estamos postulando no Superior Tribunal de Justiça, para garantir que a família tenha efetivamente resguardado seu acesso à Justiça e possa incidir na condução da investigação e identificação dos autores intelectuais dos delitos”, afirmou o defensor público Fábio Amado, que acompanha o caso.
O defensor afirmou considerar “indevida e injustificável” a recusa aos defensores das vítimas e seus familiares de acesso aos autos da investigação. Segundo ele, o STF já diz que o advogado do indiciado/acusado tem amplo direito de acessar os elementos de prova já documentados no inquérito policial ou no procedimento investigatório do MP , segundo a Súmula Vinculantes 14.
“Não é razoável nem justo que esse direito seja garantido ao indiciado porém negado às vítimas, que são justamente as pessoas mais prejudicadas pela ação criminosa”, afirmou.
Na semana passada, em entrevista à CNN, Anielle Franco afirmou que a abertura do inquérito da Polícia Federal é positiva.
“Sempre quis que o governo falasse sobre o tema, mostrasse disposição e vontade de resolver, algo que não tivemos nos últimos quatro anos”, disse. “Conversei com (Flávio) Dino, a entrada da PF traz esperança para a família. O crime precisa ser solucionado, será uma resposta à democracia.”
Polícia e MP
A Polícia Federal confirmou a abertura do inquérito, mas informou que não pode dar mais informações por causa do sigilo da investigação. A Polícia Civil não respondeu ao pedido de entrevista feito pelo Estadão. Também sob alegação de sigilo, o MPRJ se limitou a informar sobre a troca dos promotores e a reunião com a família de Marielle. Não comentou a questão do Google nem do acesso aos autos. Ronnie Lessa e Élcio de Queiróz negam ter cometido o duplo assassinato, mas continuam presos.