Metais com memória

14/out 12:00
Por Ataualpa A. P. Filho

Pode parecer estranho, mas há metais portadores de uma propriedade que podemos chamar de “memória de forma” (SMA – Shape Memory Alloys), pois têm a capacidade de, depois de deformados, ou seja, após terem as suas formas desfeitas, sendo colocados em outros formatos, quando recebem um choque térmico, voltam à forma original, isto é, à forma primeira. É como se o metal preservasse, em sua “memória”, a forma primitiva.

Essa experiência pode ser feita com um simples clipe. Basta abri-lo e colocá-lo como um fio de arame, reto. Após um aquecimento, ou quando colocado em um recipiente com água bem gelada, ele volta ao estado anterior, ao formato primeiro.

Se metais têm essa “memória”, se são capazes de responder a estímulos, pense nos seres humanos que têm uma alma!… Um lado psicológico que armazena dados até de maneira inconsciente!…

O nosso passado, a nossa memória armazenam dados que ajudam na adaptação ao meio em que vivemos, pois auxiliam na compreensão das nossas ações e reações diante das circunstâncias que nos envolvem.

O que chamamos de experiência carrega a aprendizagem assimilada ao longo da nossa existência. Nas primeiras experiências das aulas de Ciência, no segundo segmento do Ensino Fundamental, o antigo ginásio, em Teresina, vi a dilatação de uma varetinha de ferro depois de aquecida. Mas, foi na prática, ajudando a fazer cerca de talo de buriti, que aprendi a partir arame sem o uso de alicate: com movimento repetitivo, ele aquece, depois quebra.

O “não esquentar a cabeça” remete para o fato de não tomar decisões precipitadas que podem romper laços em situações de atritos. É claro que ninguém é de ferro. Mas precisamos aprender com os metais a importância da resiliência. O flexionar para resistir e suportar as adversidades. Não podemos perder a nossa “memória de forma”, as nossas raízes. Por mais diversas que sejam as situações pelas quais tenhamos que passar, não podemos perder as referências das nossas origens. Mesmo os que andam errantes pelo mundo não perdem as lembranças do solo que os viu nascer. Há uma terra que não sai do nosso peito. O calor do colo materno também fica gravado eternamente.

Fiz essa pequena alusão aos metais resilientes para evidenciar a importância da flexibilidade, da compreensão para uma saudável convivência. Com isso, quero dizer que a intransigência, o sectarismo não contribuem em nada para que as relações entre os seres humanos sejam harmoniosas.

A intolerância inviabiliza as possibilidades de acordo. As cenas de violência que vimos nos debates políticos neste período eleitoral demonstram que estamos em um estágio de intransigência avançado a ponto de tratar os que pensam diferentes como inimigos.

O poeta Carlos Drummond de Andrade já afirmara no poema “Os Sobreviventes”, que está no livro “Alguma Poesia”, lançado em 1930: “os homens não melhoram e matam-se como percevejos”.

É lamentável ver a incivilidade em quem se candidata a um cargo público, mas carrega no coração uma agressividade incontrolada. As cenas de violência a que assistimos não foram em defesa dos direitos do povo, mas sim, reflexos de uma ganância desenfreada para ter o poder nas mãos e usá-lo em benefício próprio. Reafirmo: a obsessão pelo poder está na raiz das cenas de violência que tritura os princípios da Democracia.

O calor das discussões dilatou os egos que extrapolaram os limites da sensatez. Constatamos que os candidatos não são nada cândidos.  No sentido etimológico da palavra “candidato”, está a candura, sem mancha. Na antiga Roma, os que disputavam cargos públicos, para ganhar a simpatia do povo, usavam roupas brancas como símbolo de pureza. É preciso estar atento para não ser enganado pela aparência. É preciso conhecer a verdadeira essência de quem se dispõe a administrar os bens públicos.

A construção de valores precisa de referências éticas para consolidar o discernimento imprescindível na travessia do viver. As nossas atitudes são avaliadas em função do que contribuímos no servir à sociedade. Os nossos atos escrevem a nossa história. Por isso que as nossas escolhas precisam ser lúcidas.

O conceito de democracia não se restringe ao campo político, é mais amplo, está vinculado ao modo de vida. Na família, na escola, no trabalho, na comunidade, em síntese, em qualquer ambiente social, há regras de relacionamentos em que se preconizam direitos e deveres. Fatores estes indispensáveis na conduta responsável da cidadania.

É triste ver a democracia corroída pelo vil metal.

Não venda o seu voto.

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