Militares na política

16/05/2020 00:01

Clemenceau (1841-1929) foi um famoso político francês. É dele a seguinte afirmação, à época da 1ª Guerra Mundial: “A guerra é uma coisa muito séria para ser confiada aos militares”. Se nem mesmo a guerra, como fica a política? Esta é uma questão-chave para entendermos o caso brasileiro desde 1889.

Iniciemos com a visão do Duque de Caxias sobre o tema. O livro O Velho Marinheiro – A história da vida do Almirante Tamandaré, de 2018, de Alcy Cheuiche, nos relata um episódio revelador. Caxias foi professor de esgrima e equitação de Pedro II. Numa das aulas de esgrima, ao perceber a insinuação do jovem imperador de que ele, Caxias, seria um bom político,respondeu-lhe: “Sou apenas um soldado, Alteza. E nós, soldados, somos péssimos políticos”. Pela resposta, Caxias estava no mesmo barco de Clemenceau até mesmo por seu repúdio ao golpismo, que é a porta de entrada dos militares na política. O golpe militar de 1889 jamais teria ocorrido se Caxias ainda estivesse vivo na ocasião.

Esta visão da Caxias está em sintonia fina com o que diz o historiador Francisco Doratioto, da UnB, autor do impactante livro Maldita Guerra sobre  nosso confronto com o Paraguai. Em entrevista ao Estadão, de 03.05.20, ele afirma que “como lição do período, a profissionalização e o distanciamento da política são fundamentais para o Exército e para a defesa nacional”.

Joaquim Nabuco em carta de 1895 ao Alte. Jaceguay, defensor da repúbli-ca, nos diz, com incrível lucidez não percebida pelos militares: “A razão aconse-lhava que a dinastia e a força armada se entendessem, se unissem, reciproca-mente, animadas como eram do mesmo espírito de abnegação e patriotismo. Em vez disso, infelizmente, o exército preferiu destruir a sua aliada natural e começar a sua própria evolução política, perigosa sempre para as instituições militares”. Ou seja, aniquilou a instituição que teria evitado o surgimento da desastrosa República Velha, que abriu caminho não só para a ditadura Vargas.  

Merecem registro, nessa linha, duas iniciativas do próprio exército: a dos Jovens Turcos, oficiais do Exército enviados para realizar cursos de 2 anos no exército alemão na década de 1910; e, depois, a da Missão Militar Francesa, que aqui ficou de 1920 a 1940. Ambas propuseram a profissionalização e o afastamento da política das Forças Armadas. Acabou vencendo a visão oposta da participação delas na política. Basta dizer que cinco de nossas sete constituições lhes atribuem esse papel de tutelar a república. Os EUA e os países europeus, seguindo a cartilha correta, normalmente não têm sequer um único militar com status de ministro de Estado, como foi no tempo do Império.

Seria implicância desses países em interditar a presença militar na política? A missão francesa propunha claramente que as Forças Armadas deveriam se comportar como o grande mudo. A formação do bom militar exige disciplina rígida e respeito à hierarquia. As ordens de um oficial devem ser cumpridas e ponto final. O mundo da política está muito distante da caserna nesse quesito. Há que se negociar sempre, o que vai contra à natureza do dia a dia do militar.

O que surpreende no caso brasileiro é que a lição de Clemenceau, a sabedoria de Caxias, a visão estratégica de Nabuco e Doratioto, e mesmo as iniciativas do próprio exército com os Jovens Turcos, a Missão Francesa e ainda os reveses de sua participação na política não terem convencido os militares, após 130 anos de república, a  se afastarem da arena política.     

O artigo “Limites e Responsabilidades” publicado pelo Gal. Mourão no jornal O Estado de SP, em 14.05.2020, revela as dificuldades de quem tem formação militar em transitar pela política, mesmo levando em conta nossas práticas políticas tipo baixo clero. Mourão culpa a imprensa, o judiciário, o legislativo, os governadores e os prefeitos. Simplesmente não toca na visível inabilidade do próprio Bolsonaro em dialogar. Dar ordem unida funciona em quartéis, mas não em política. Caxias sabia disso, e reconhecia que eram péssimos políticos.  

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