Ministério da Saúde ignora protocolos para a covid-19
No centro do combate contra a pandemia de covid-19, servidores do Ministério da Saúde relataram ao Estadão a falta de preocupação da pasta com a proteção dos próprios funcionários e que as mortes na equipe não são sequer informadas, uma medida básica para que pessoas que tiveram contato com contaminados possam tomar precauções. O número de infecções e vítimas não é detalhado pela pasta, mas a reportagem confirmou ao menos três óbitos apenas neste mês.
Funcionários dizem desconfiar de novas contaminações apenas quando são mandados para casa a fim de que as salas sejam higienizadas. No dia seguinte, porém, o trabalho presencial volta ao normal.
Gleyber Araújo, de 40 anos, técnico em informática do Ministério da Saúde, é uma das vítimas. Morreu no dia 23, por complicações da doença. Mesmo hipertenso e acima do peso, ele trabalhava presencialmente na Secretaria de Atenção Primária à Saúde, onde era contratado como bolsista, por meio de uma fundação. Segundo parentes, ele temia demissão se pedisse para despachar de casa.
Além de Araújo, os servidores José Ferreira Lopes, de 62 anos, e Doralice de Jesus Magalhães, de 60, são as outras duas mortes registradas na pasta este mês pela covid. Questionado, o ministério confirmou apenas os óbitos de dois servidores, mas não citou nomes nem respondeu se eles trabalhavam de casa.
Araújo estava no ministério havia quatro anos. No começo da pandemia, em 2020, chegou a trabalhar de forma remota, mas isso não durou muito tempo. “Era bolsista, com vínculo (de emprego) frágil. Com medo de perder o emprego, voltou a trabalhar presencialmente”, diz Aline Oliveira, a viúva.
O técnico resistiu a ir ao hospital antes de confirmar a infecção. “Nas últimas vezes que conversamos, ele falava sobre não esquecer de pegar o atestado, porque tinha muito medo de perder o emprego”, conta Aline. Internado em 8 de março, Araújo só conseguiu transferência para a UTI por decisão judicial, mas teve parada cardiorrespiratória. Ele tinha duas filhas
Os funcionários afirmam ainda que outras medidas básicas, como uso de máscaras, são negligenciadas. Segundo apurou o Estadão, o novo ministro, Marcelo Queiroga, pediu que o uso da proteção vire regra, após flagrar a ausência do item.
Por meio da Lei de Acesso à Informação, a Saúde informou, em janeiro, ter recebido 228 atestados médicos de servidores com covid, mas disse não ter dados sobre internações ou óbitos. Este número não engloba terceirizados e trabalhadores contratados como bolsistas, maioria na pasta. Procurada esta semana, a Saúde confirmou duas mortes de servidores ativos, além de nove aposentados.
Mas voltou a omitir dados sobre terceirizados, bolsistas e consultores. Ainda deu dados incompletos sobre o número de contaminados: informou só 8 casos de 15 a 22 de março, sem dizer o total na pandemia.
A divulgação de que um servidor morreu de covid provocou a demissão do diretor da Polícia Rodoviária Federal, Adriano Furtado, em maio de 2020. O presidente Jair Bolsonaro ficou contrariado porque a nota de pesar não citava fatores de risco que pudessem ter agravado a saúde do agente. Neste mês, o Planalto também omitiu que a doença foi a causa da morte de Silvio Kammers, que atuava no gabinete pessoal de Bolsonaro.
O Ministério da Saúde não informa quantos funcionários estão em trabalho remoto. Segundo portaria da pasta, a chefia de cada setor define se é possível ou não teletrabalho conforme sua necessidade. Servidores ouvidos em caráter reservado pelo Estadão, no entanto, relatam pressão para que se apresentem presencialmente e até ameaças de demissão.
A portaria do ministério também lista fatores que devem ser considerados para definir quem terá direito ao trabalho remoto, como ter mais de 60 anos ou doenças como cardiopatia grave. Obesidade e hipertensão não foram listados, apesar de serem fatores de risco para covid, segundo critérios da própria pasta. Cabe ao funcionário declarar se tem comorbidade.
Em nota, o ministério diz priorizar o teletrabalho para “grupos de risco”. A norma prevê, afirma a pasta, que as condições para o trabalho remoto são identificadas por autodeclaração e é de responsabilidade de cada servidor comunicar à chefia imediata sua situação. Sobre terceirizados, “a pasta notificou cada empresa/instituição a orientá-los quanto às medidas e condutas de enfrentamento à pandemia”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.