Ministro da Defesa foi ao Congresso minar TSE após reunião com Bolsonaro no Planalto

12/fev 11:35
Por Gabriel de Sousa / Estadão

Um dia após a reunião que se tornou prova de um planejamento de golpe de Estado durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, foi a Câmara dos Deputados para levantar suspeitas sobre a integridade das urnas eletrônicas diante de parlamentares. Uma semana depois, o ex-ministro voltou à carga e também visitou o Senado, onde anunciou um plano de “votação paralela” em papel para, segundo ele, aumentar a lisura das eleições de 2022.

Na reunião com Bolsonaro no Palácio do Planalto, realizada no dia 5 de julho de 2022, Nogueira disse que estava utilizando as Forças Armadas para questionar a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), como forma de garantir a reeleição de Bolsonaro.

“Nós temos reuniões pela frente, decisivas pra gente ver o que pode ser feito; que ações poderão ser tomadas pra que a gente possa ter transparência, segurança, condições de auditoria e que as eleições se transcorram da forma como a gente sonha” declarou Nogueira.

Em outro momento da reunião, o ex-ministro classificou o TSE como um “inimigo” e assumiu que instrumentalizou as Forças Armadas para questionar a condução do processo eleitoral.

“O que eu sinto nesse momento é apenas na linha de contato com o inimigo. Ou seja, na guerra a gente … linha de contato, linha de partida. Eu vou romper aqui e iniciar minha operação. Eu vejo as Forças Armadas e o Ministério da Defesa nessa linha de contato. Nós temos que intensificar e ajudar nesse sentido pra que a gente não fique sozinho no processo”, afirmou Nogueira, como mostra vídeo no seguinte endereço na internet: https://www.youtube.com/watch?v=W5mSjleXGu4

Paulo Sérgio Nogueira foi um dos alvos da Operação Tempus Veritatis da Polícia Federal (PF), deflagrada na quinta-feira, 8. O ex-ministro foi alvo de busca e apreensão e está proibido de deixar o País.

Nogueira foi ao Congresso anunciar planos de fiscalização e votação paralelas

No dia 6 de julho, Nogueira participou de uma audiência pública na Comissão de Relações Exteriores (CRE) da Câmara. O evento foi destinado para que o ministro expusesse as prioridades da pasta para o ano de 2022 e também falasse sobre os reforços nas fronteiras brasileiras.

Porém, em diversas ocasiões, ele aproveitou para falar sobre a necessidade da participação das Forças Armadas na fiscalização e “aperfeiçoamento” das urnas, alegando que os militares assumiram essa missão à convite do TSE.

Diferentemente da postura adotada no dia anterior, onde tratou o tribunal como “inimigo” na “linha de contato”, Nogueira adotou um tom mais brando, afirmando que a Defesa estavam apenas colaborando com a lisura do processo eleitoral. Mas seu discurso estava recheado de recados para minar a atuação da corte e por em dúvida a segurança do processo de votação e apuração comandando pelo TSE.

Em um momento da audiência pública, o ex-ministro disse aos deputados que não havia um programa imune a ataques e usou um cartão de crédito clonado da sua mulher como um exemplo. “Sabemos muito bem que esse sistema eletrônico necessita sempre de aperfeiçoamento. Não há programa imune a um ataque, imune a uma invasão. Não há. Estão aí os bancos que gastam milhões de reais com segurança. Eu tive meu cartão clonado há três semanas, e minha esposa, no ano passado. Então, isso é fato”, disse.

Nogueira também anunciou que as Forças Armadas planejavam fazer um plano de fiscalização paralela para as eleições. O anúncio ocorreu após a Defesa enviar 88 perguntas questionando a funcionalidade das urnas para o TSE em maio.

“Estamos com plano de ação para cada uma dessas oito fases, para que, na hora da fase propriamente dita, por exemplo, na lacração do sistema, estejamos presentes para perguntar, verificar, questionar os procedimentos e propor alguma coisa”, declarou o ex-ministro.

Na audiência, após ouvir o general Paulo Sérgio, levantar suspeitas sobre a urna eletrônica, integrantes da oposição ao governo Bolsonaro reagiram. A ex-deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) disse que não caberia às Forças Armadas discutir a integridade das urnas eletrônicas. “Eu me recuso a debater este assunto com o Ministro da Defesa, eu me recuso a debater este assunto com qualquer um dos comandantes, porque esta não é a tarefa dos senhores”, afirmou.

Já o deputado federal Arlindo Chinaglia (PT-SP) afirmou que a fala do ex-ministro sobre a necessidade de um “aprimoramento contínuo” do sistema parecia “uma provocação”.

Na audiência da Câmara, Paulo Sérgio estava acompanhado dos comandantes das três forças: Marco Antônio Freire Gomes (Exército), Carlos Almeida Baptista Junior (Aeronáutica) e Almir Garnier Santos (Marinha).

Garnier também foi alvo da Tempus Veritatis na última quinta e foi delatado pelo ex-ajudante de ordens da Presidência tenente-coronel Mauro Cid como adesionista a um plano de golpe após a derrota de Bolsonaro nas eleições.

Em 14 de julho de 2022, nove dias após a reunião ministerial, Nogueira apresentou uma proposta de votação paralela nas eleições com cédulas de papel no Senado.

A proposta seguia discursos de Bolsonaro. Segundo o ministro da Defesa, buscava servir como um “teste de integridade” das urnas eletrônicas, fiscalização que já era feita pelo TSE em outros moldes.

Em novembro do ano passado, o TSE decidiu, por unanimidade, retirar as Forças Armadas das entidades que participam da fiscalização das urnas.

Gilmar Mendes disse que TSE sofreu ‘assédio’ de Nogueira

Em outubro do ano passado, o decano do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Gilmar Mendes, afirmou que o TSE sofreu um assédio por parte do ex-chefe da Defesa.

Segundo o magistrado, Nogueira enviava todos os dias cartas ao ministro do STF Edson Fachin que, entre fevereiro e agosto de 2022, presidiu o TSE.

“O TSE sofreu um assédio, não da população ou dos torcedores para a eleição de Bolsonaro, mas do ministro da Defesa, que todo dia pela manhã escrevia uma carta ao ministro (Edson) Fachin e o ministro Fachin respondia à tarde”, afirmou Gilmar Mendes, em seminário promovido pelo Estadão e a Universidade Presbiteriana Mackenzie.

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