Miserável país das tragédias de véspera

25/01/2017 12:00

A tragédia, por sua conceituação de origem, grosso modo tem por fio condutor versos para infundir a piedade e o horror, desembocando nalgum acontecimento funesto. Cordiais brasileiros, habituamo-nos com o desalento e viciamo-nos no engodo refrão “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Nunca nos erguemos, estamos imundos e mergulhados no fundo poço, cavando paulatinamente, como quem gosta da vida no buraco-soturno.

À véspera de homologar a maior delação premiada do mundo, o ministro Teori Zavascki encontrou na tragédia a morte. Relator da Operação Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, repousava sob sua balança de justiça o destino de políticos e empresários que criaram o ousado e debochado esquema de corrupção que, pelas estimativas iniciais, roubou mais de R$ 1 trilhão dos cofres públicos do Brasil e de uma dezena de outros países, algo jamais visto na História da Humanidade.

Não por acaso, o trágico fim de Teori suscitou teorias em dois legítimos flancos: 1) A queda do avião de pequeno porte na baía de Paraty foi uma fatalidade, um acidente dramático envolvendo uma aeronave nova, sem registros de problemas técnicos e pilotada por um profissional com vasta e reconhecida experiência; ou 2) Uma conspiração, urdida entre os mais de 200 políticos envolvidos no megaesquema de corrupção, tramou e executou o assassinato do ministro da Suprema Corte que, provavelmente, pediria chancela para secar a fonte e condená-los ao xilindró. Independente de qual das teorias venha a ser transmutada em realidade, é inconteste que a tragédia alterou brutalmente os rumos das investigações e, consequentemente, a expectativa de justiça que acompanha o país há mais de dois anos.

A expressão de perplexidade da sociedade brasileira diante da morte de Teori Zavascki não traduz, em si, apenas a comoção pela perda irreparável de um homem ilustre num país de canalhas que, de uns tempos pra cá, já não sabe exatamente qual é a escalação da Seleção Brasileira de Futebol, mas reconhece imagem, nome e sobrenome, posição em plenário, tendências e estilos de cada um dos 11 togados ministros do STF.

Acidente ou crime, fatalidade ou assassinato, o abalo político-jurídico — para além das dores humanas, fique claro — provocado pela tragédia é um gravíssimo sintoma de que o povo brasileiro continua personalizando seus anseios éticos, morais e cívicos. Continuamos depositando fé em salvadores da pátria e não nas instituições republicanas. Foi assim com Tancredo, sentimento nacional retomado agora com Teori. Por legítima descrença na solidez institucional, sabemos que ninguém foi capaz de substituir Tancredo Neves e que, por tragédia de véspera, o destino do país acabou nas mãos de José Sarney. Da mesma forma, sabemos que nenhum dos atuais ministros será capaz de substituir Teori Zavascki no timão da Lava-Jato e o destino da mais importante ação de combate à corrupção já registrada na América Latina pode acabar no colo doutro Sarney: o presidente Michel Temer.

Diz o rifão que Deus é brasileiro. Tenho cá severas dúvidas. Em momentos cruciais para o futuro da nação e diante de instituições nem um pouco confiáveis, a tragédia revela-se verso-cerne de nossa História. E pior: tal como é e está, o Brasil não tem a menor possibilidade de dar certo. Se me pedires um conselho ou solução, sem pestanejar vos direi: não tenha vergonha por alimentar o desejo de abandonar esta terra miserável, sem sorte e governada por bandidos da pior espécie. Não espere outra tragédia de véspera a rasgar o tal “país do futuro”. Tão logo possa, fuja daqui!

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