Modelo e ator com nanismo só conheceu alguém como ele aos 17 anos
Até os 17 anos, Fernando Vigui não teve contato com ninguém com nanismo – condição que ele carrega com orgulho. Sua mãe, a única da família que era como ele, morreu quando ele tinha 4 anos. Até o dia em que soube de um desfile de pessoas como ele no bairro do Bexiga. “Lembro que foi um choque esse espelho, ficava perguntando para o meu primo se eu andava daquele jeito, se meu rosto era daquele tamanho.”
Ali, ele fez amizades que o ajudaram a entender a importância de falar sobre acessibilidade, representatividade e outras questões que hoje usa como agentes propulsores para levar informação e desmistificar o nanismo por meio do Movimento Nanismo Brasil, do qual é líder. “Nos encontros vemos médicos, advogados, professor de educação física. As crianças nascem sabendo que elas podem ser o que quiserem.”
Se hoje, aos 40 anos, Fernando Vigui é ator, atleta, modelo e educador, foi porque, tempos atrás, não se conformava em como via aqueles que eram como ele. “As únicas referências que eu tinha eram pessoas com papéis caricatos na televisão”, conta. Nascido com nanismo, ele cresceu em meio a pessoas sem deficiência, e se questionava como poderia mudar o preconceito que via fora de casa.
“Na adolescência, as meninas grandes não queriam namorar comigo. Todo mundo da minha escola gostava de alguém, se paqueravam, mas eu nunca fui correspondido. Isso querendo ou não vai te machucando, te transformando”, lembra. Demorou um tempo, mas no começo da vida adulta ele finalmente se encaixou e se aproximou daqueles que sabiam exatamente o que ele sentia. O encontro transformou Fernando.
“As outras deficiências, ou eram muito respeitadas ou vitimizadas, mas a gente historicamente foi o bobo da corte do rei, os palhaços, sempre pelo lado do humor. Então a gente teve de entender as nossas lutas e aí sim ir lutar”, explica. Mais do que discutir políticas públicas e direitos das pessoas com nanismo, Fernando busca ajudar as outras pessoas e ensinar sobre essa condição. “Qualquer coisa que envolva o sentimento de pertencimento, de humanização e de empoderamento, a gente vai atrás”, resume.
Ele é líder do Movimento Nanismo Brasil, que tem entre suas metas a extinção de termos pejorativos, como anão, pequeno ou baixinho para se referir a eles. “Sugerimos usar o termo pessoa com nanismo porque o termo anão, por exemplo, já carrega um estereótipo por conta do humor. Primeiramente vem a pessoa, depois a deficiência. Isso é humanizado”, diz.
Além de promover encontros, conversas e palestras com temas como debates de políticas públicas e até bullying, Fernando e seus amigos buscam refletir sobre a visão da sociedade para com eles. A moda, por exemplo, é algo importante nessa discussão.
“Eu não quero usar as roupas que me servem; quero usar a roupa que eu escolhi, que tem a ver com a minha personalidade”, afirma ele, que hoje é modelo para a marca Via Voice, especializada em pessoas com nanismo. “Eu pago o mesmo imposto que você, trabalho igual você, mas não tenho acesso às mesmas coisas. E não só na moda, mas em todas as áreas. Isso celebra quem a gente é, celebra a nossa história, nos dá voz.”
O objetivo de mudar o olhar sobre o nanismo continua nas salas de aula do colégio construtivista em que ele é professor do ensino fundamental. Ali, Fernando dá aula, livre de preconceitos, para crianças de todos os tipos. “É a terra mais fértil que a gente pode jogar a semente. Vale muito a pena.”
Em casa, Fernando é quem se transforma em aprendiz. Sem nunca ter conhecido o pai, ele teve de aprender a ser um para Lívia, hoje com 11 anos. “Eu busquei nos livros o que era paternidade, como era a infância, os cuidados que uma criança precisava e especialmente a relação pai e filha”, afirma. A mulher, Fabíola, também é uma pessoa com nanismo, mas Lívia nasceu sem a deficiência.
“Quando a gente descobriu, nossa maior preocupação foi a nossa casa, que hoje é adaptada. Mas também em como ela iria lidar com isso, como seria para ela. Mas percebemos que a gente só tem de ser pais, só tem de dar amor e estar presente”, conta. Aos 40 anos, Fernando não se limita como os outros algum dia o limitaram. “Sou tudo o que eu posso ser”, garante ele. “Olhando para trás, eu transformo tudo que vivi e aprendi em estímulo para ajudar outras pessoas. Hoje posso dizer que sou feliz e tenho orgulho de quem sou.”