Morosidade na reforma do Palácio de Cristal, deixa patrimônio fora do Circuito Turístico do Centro
Nesses dois anos de fechamento do Palácio de Cristal para obras de reforma, dois pontos são levantados: a falta que o espaço faz para o uso público e Circuito Turístico do Centro, e o valor histórico e cultural que representa para Petrópolis. As descobertas arqueológicas são de extrema importância para a história do palácio, mas, por outro lado, a demora burocrática no andamento do projeto demonstra a falta de planejamento e cuidado do poder público com o patrimônio da cidade.
A reforma do Palácio começou em 2019, mas em fevereiro do ano passado foi embargada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), porque a Prefeitura não apresentou o Projeto de Monitoramento Arqueológico. Estudo necessário para que fossem feitas as escavações na área externa do Palácio. Na época, o Iphan apontou que poderiam existir materiais com potencial histórico, nos jardins.
A Prefeitura levou um ano para apresentar o projeto ao órgão federal, alegando dificuldade em contratar uma equipe de arqueologia. Nesse meio tempo, a empresa que venceu a licitação para executar a obra, Ponta do Céu Urbanização Construções e Paisagismo, abandonou o trabalho em junho de 2020. Segundo a Prefeitura, a empresa disse enfrentar dificuldade financeira por causa da pandemia de covid-19.
A empresa que ficou em segundo lugar no pregão, Engeprat, assumiu a obra somente em março de 2021. Em maio, quando as intervenções foram retomadas e as primeiras peças foram encontradas sob o jardim do palácio, a previsão da Prefeitura era que o espaço fosse entregue a tempo da realização do Natal Imperial 2021. Mas a obra ainda está longe de ser concluída. O espaço recebia a Casa do Papai Noel e era o principal local para visitação durante o dia no evento. Por causa do fechamento, o atrativo foi transferido para a Casa dos Conselhos, na Av. Koeler.
O arquiteto Mario Lordeiro, aponta a pandemia como um dos fatores que influenciou na morosidade do andamento de obras públicas, por causa das restrições de enfrentamento à covid-19. Mas por outro lado, obras particulares dispararam em toda a cidade durante o mesmo período. “Se estiverem previstas escavações em áreas tombadas, precisa ter o projeto arqueológico”, enfatiza Mario, indicando que a legislação prevê esse quesito. A previsão inicial era de que os trabalhos fossem concluídos em 180 dias.
“As descobertas arqueológicas são importantes, a história viva tem que ser escrita. Naquele espaço há a história da colônia de negros, quilombos, e a chegada dos colonos germânicos, o primeiro grupo que trouxe suas famílias”, disse o arquiteto. Para Mario, as intervenções em bens históricos são muitas vezes necessárias para adaptações como acessibilidade, mas que o trabalho de tombamento é um “trabalho de conscientização” do uso dos espaços.
Nesta etapa da obra iniciada em dezembro, está sendo feita a instalação da rede subterrânea de cabos e de tubulações, as intervenções estão sendo feitas nas áreas onde o trabalho de arqueologia já foi concluído. Segundo a Prefeitura, foi feita até agora a reforma dos banheiros e a instalação de um novo piso na entrada, substituindo o saibro. E ainda estão previstas melhorias no Palácio, após a conclusão na área externa.
Escavações revelam base de um cruzeiro no jardim do Palácio
Há dez dias, foi anunciada mais uma descoberta: a base de um cruzeiro, que pode ter sido instalado antes mesmo da construção do Palácio. A equipe de arqueologia acredita que a cruz era um ponto de adoração de fiéis católicos que vieram para a cidade a partir da colonização alemã. Há registros do cruzeiro em fotos e gravuras do passado.
“Esse cruzeiro ficava na frente do palácio, pelo que mostram as fotos do início do século passado. Aproximadamente, a cinco metros de distância. Reproduzimos a mesma foto, que foi tirada a partir do que hoje é a entrada do espaço, e conseguimos, com um trabalho de sobreposição de imagem e mapeamento a laser, identificar o provável ponto onde ele ficava”, revela Giovani Scaramella, diretor da empresa Grifo Arqueologia.
Segundo os arqueólogos, uma gravura feita pelo artista Otto Reimarus, em 1854, a partir do palácio, em direção à rua Alfredo Pachá (onde se dá o acesso atual ao ponto turístico), confirma a outra hipótese sobre a existência do cruzeiro, antes mesmo da existência do Palácio de Cristal.
“Na análise é possível perceber que há uma espécie de oratório. Em volta, uma cerca. E, à frente, a imagem de uma pessoa com os braços erguidos. Nas nossas pesquisas, especialmente voltadas para os hábitos religiosos do povo alemão, que migrou para a cidade neste período, chegamos às Flurkreuz (cruz de piso, no alemão). Elas eram comumente instaladas em países da Europa como a Alemanha, em caminhos de peregrinação de fiéis católicos. Antes do Palácio de Cristal já existia o uso social desse espaço. A Praça da Confluência, que ficava no lugar onde se encontravam os rios Quitandinha e Piabanha, surgiu em 1846 e a primeira notícia de uma atividade oficial na praça foi uma missa em homenagem à vinda dos colonos alemães. Em 1846, pelas pesquisas de historiadores locais, identificamos a possibilidade de existência de três cruzes como esta. A segunda, próxima à catedral São Pedro de Alcântara e uma terceira, cuja localização não foi identificada”, contextualiza a historiadora e educadora patrimonial da Grifo, Roselene Martins. A historiadora lembra que só a partir de 1870 o espaço começou a receber as primeiras exposições de hortaliças, como frutas, legumes, plantas e flores. “Era como se fosse uma feira de elite”, ressalta.
De acordo com a Prefeitura, a primeira etapa do trabalho concluiu o peneiramento de 324 metros de trincheiras que compõem o jardim, os arqueólogos passaram a buscar evidências da base do cruzeiro original, identificada nas fotos do século XX. “Foi traçada a demarcação para a nova trincheira. Esta com um metro de largura, um metro e meio de profundidade e 25 metros de comprimento. É um trabalho mais minucioso, para buscar a história em camadas anteriores à construção e utilização desse espaço nos séculos passados”, revelou o diretor da empresa de arqueologia que informa que já é possível identificar vestígios de uma pavimentação anterior ao palácio. “Há pedras que são diferentes do padrão que encontramos nas outras escavações que podem ter sido parte do que era o caminho de acesso ao cruzeiro”.
Segundo os técnicos, a chuva dos últimos dois meses dificultou os trabalhos. “Tanto o mês de outubro, quanto o início de novembro, dificultaram o trabalho porque trouxeram dias muito chuvosos. Mas, já conseguimos dar andamento às escavações no ponto demarcado onde estaria o cruzeiro. Encontramos uma espécie de sapata, uma estrutura de sustentação. Além disso, até agora, identificamos nove diferentes camadas de sedimentação de aterros no espaço. O próprio palácio foi construído em cima de um aterro de 40cm, elevado ainda por uma base de também 40cm. O que mostra que havia uma preocupação com as inundações que a praça da Confluência sofria no passado”, informa o mestre em arqueologia Kedma Gomes, que veio de Lisboa e coordena desde maio os trabalhos no Palácio de Cristal.
Até agora foram encontradas mais de duas mil peças, entre pedaços de louças inglesas usadas pela elite do século XIX e de stoneware. Algumas já estão expostas na entrada do ponto turístico. A maior parte, no entanto, foi encaminhada para análise em laboratório no sul Fluminense.
*com informações da Prefeitura.