Morre Wayne Shorter, o homem que levava nas costas boa parte da história do jazz

02/03/2023 18:01
Por Julio Maria / Estadão

Se foi nesta quinta-feira, 2 de março, um senhor que carregava nas costas boa parte da história do jazz. Wayne Shorter tinha 89 anos e estava internado em um hospital de Los Angeles. Ativo por mais de seis décadas, ele esteve em grupos como Art Blakey’s Jazz Messengers, o segundo grande quinteto de Miles Davis e o transformador Weather Report. Cada um deles explorando o jazz por eras e diferentes caminhos. A causa da morte de Shorter não foi informada, mas a notícia da partida tocou músicos em todo o mundo.

Milton Nascimento, que gravou com Shorter o álbum Native Dancer, lançado em 1975, escreveu o seguinte em sua conta no Instagram: “Hoje é um dos dias mais difíceis da minha vida. Dia de me despedir de parte de tudo o que eu sou. Wayne Shorter foi, e sempre será, mais do que um parceiro musical. Desde que nos conhecemos, nunca nos separamos.”

Segundo o jornal The New York Times, a informação da morte do saxofonista e compositor foi confirmada por assessor do músico, Alisse Kingsley. Ao todo, Shorter recebeu onze estatuetas do Grammy, entre vários outros prêmios importantes. Em 2016, ele falou ao Estadão antes de chegar ao país para um concerto que faria ao lado do pianista Herbie Hancock.

Havia acabado de escrever uma profunda “carta aos jovens músicos”, com conselhos que daria a que estava começando a tocar um instrumento. Eis uma das falas de Shorter ao jornal sobre os jovens brasileiros: “Muitos jovens parecem ter uma visão limitada da vida, não conhecem o passado, não sabem de história. E, se você não conhece sua história, vai repeti-la sem saber. Certa vez, eu vi um programa em que jovens brasileiros não sabiam quem era Antonio Carlos Jobim. Seria como perguntar aqui nos Estados Unidos quem é Humphrey Bogart. Eu posso ouvi-los dizer algo como “o que é uma máquina de escrever?”.

Ele escreveu ainda que, antes de ser um bom músico, era preciso ser um bom ser humano. Por quê? “Se você não souber nada sobre humanidade, sua música vai sempre representar algo superficial. Ela será usada apenas para fazer dinheiro e divertir as pessoas. E minha pergunta é: para que servem as coisas da vida? Muitas pessoas pensam que são seres humanos simplesmente porque nasceram. Não, ainda não! Eu diria que o ser humano é resultado de um processo interno que faz da vida uma aventura, eternamente. É nisso que penso quando eu toco música. O mundo parece estar pior hoje do que nos anos 60 ou 70. Há mais radicalismos ideológicos, dilemas sociais, ódios. Como conseguir inspiração?” Só lembrando, a entrevista é de 2016, e ele já falava de radicalização. “Sabe que Herbie Hancock e eu ensinamos algumas vezes na UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles), e uma pergunta que os alunos nos fazem frequentemente é: ‘No que vocês pensam quando escrevem ou tocam?’ E eu respondo: bem, talvez você devesse pensar em como gostaria que o mundo fosse em algum futuro e tentar escrever sua música inspirado por esta ideia.”

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