Mortes por policiais crescem na maioria dos Estados

18/jul 14:01
Por Ítalo Lo Re e Caio Possati / Estadão

O número total de mortes por decorrência de intervenção policial caiu no Brasil em 2023, redução puxada pela queda em Estados populosos, como o Rio de Janeiro. Mas a taxa de crimes desse tipo teve alta na maioria dos Estados (14), segundo dados divulgados nesta quinta-feira, 18, pelo Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

No total, foram 6.393 óbitos desse tipo registrados em 2023, ante 6.455 no ano anterior. Com isso, o índice nacional de ocorrências para cada 100 mil habitantes caiu 1%: foi de 3,2 para 3,1.

Ainda com a redução, os números são considerados expressivos: em média, 17 pessoas são mortas por dia em decorrência de intervenção policial no Brasil.

As menores taxas de mortes por policiais para cada 100 mil habitantes são de Rondônia (0,6) e Minas Gerais (0,7). Já a redução mais expressiva em relação a 2022 foi observada no Amazonas (-40,4), cujo indicador agora é de 1,5.

Por outro lado, as piores taxas são de Amapá (23,6) e Bahia (12), Estados em que, segundo especialistas, o caráter mais violento da polícia se soma à forte atuação do crime organizado para a consolidação de novas rotas – Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho (CV) são hoje as principais facções do País.

“Os dois Estados estão hoje no centro do deslocamento da cadeia logística do crime organizado, para distribuir para o Norte e o Nordeste, e têm polícias cuja atuação está gerando resultado-morte muito tumultuado”, afirma ao Estadão Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“Nos últimos anos, o Amapá já tem liderado as taxas de mortes decorrentes de intervenção policial, e agora, na lógica da economia do crime, vê disputas (do crime organizado) por controle, principalmente do Porto de Santana”, acrescenta.

Conforme dados do anuário, Santana (AP) lidera a lista das cidades com mais de 100 mil habitantes com maior taxa de homicídios em 2023. O indicador da cidade chegou a 92,9, alta de 88,2% na comparação com o número do ano anterior (49,4). Ao todo, 27% das mortes violentas registradas no ano passado foram provocadas por policiais.

Como o Estadão mostrou, o Amapá virou um dos caminhos da rota do narcotráfico na Amazônia, o que impulsiona um confronto sangrento entre PCC e CV. A aliança com bandidos locais agrava a guerra das facções, que busca caminhos para escoar cocaína e skunk para o exterior. Os criminosos também reproduzem práticas de milícia.

Nos presídios, onde são recrutados mais membros para as facções, o próprio governo reconhece dificuldades. Em documento no início do ano, o Instituto de Administração Penitenciária do Amapá, sob a gestão Clécio Luís (Solidariedade), admitiu que “enfrenta questões como sobrecarga de funções em coordenações, infraestrutura inadequada e pontos de tensão entre segurança e ressocialização”.

Já a polícia da Bahia é a que tem o maior número de mortes em números absolutos, à frente das forças de segurança do Rio desde o ano passado. Só em setembro de 2023, as operações da PM baiana deixaram mais de 70 mortes. No total, 1.699 pessoas foram mortas por intervenção das polícias Civil e Militar daquele estado no ano passado.

O fracasso da gestão Jerônimo Rodrigues (PT) no combate ao crime motivou uma crise no ano passado para o governo Luiz Inácio Lula da Silva, que acelerou o lançamento de um plano de segurança e um pacote de emergência ao Estado. Rui Costa (PT), antecessor de Rodrigues, é um dos principais ministros da Esplanada hoje (Casa Civil).

Embora a segurança pública seja uma prerrogativa prioritária dos Estados, o governo federal tem sido cada vez mais cobrado no suporte técnico, financeiro e estratégico às gestões locais e especialistas apontam dificuldades do Ministério da Justiça em articular essas políticas.

Mudança

Os dados do Fórum indicam que, como houve quedas mais robustas nos homicídios nos últimos anos, os óbitos por policiais agora ocupam parcela maior do total de mortes violentas intencionais (MVI) – além de óbitos por intervenção policial, esse indicador é composto casos de homicídio doloso, lesão corporal seguida de morte e latrocínio.

“Em 2018, por volta de 8,1% de todas as mortes violentas intencionais eram de mortes pela polícia”, destaca Lima. “Em 2022, essa parcela pulou para 13,8%, mostrando que a participação das polícias na explicação da violência é muito grande”, acrescenta o sociólogo.

Desde 2013, a alta na letalidade policial foi de 188,9%. Entre as vítimas, quase a totalidade é de homens, oito em cada dez são negros e 71,7% são jovens (até 29 anos).

Logo depois de Santana, compõem a lista das cidades mais violentas os municípios de Camaçari (BA), com taxa de 90,6, e Jequié (BA), com taxa de 84,4. Este último tem também o maior índice de mortes por policiais (46,6) – mais da metade das mortes violentas intencionais ocorridas por lá no último ano foram cometidas por policiais (55,2%).

“Ou seja, se a polícia atuasse com um padrão que não resultasse em tantas mortes, a taxa de Jequié seria cortada mais do que a metade”, afirma Lima. No caso de Angra dos Reis, por exemplo, que atualmente é a segunda cidade com a maior taxa de mortes em decorrência de intervenção policial, 63,4% das mortes violentas têm esse perfil.

São Paulo

Apesar de ainda manter uma das menores taxas de mortes em decorrência de intervenção policial (1,1), o Estado de São Paulo teve alta de 19,7% nesse indicador em 2023. Foram registrados 504 casos, ante 421 no ano anterior, em alta relacionada sobretudo a operações da Polícia Militar.

Um dos fatores que explicam a alta foi a Operação Escudo, desencadeada pela polícia no 2º semestre do ano passado na Baixada Santista. A primeira fase da incursão, uma das maiores da história da PM de São Paulo, resultou na morte de ao menos 28 pessoas. A ação foi alvo de denúncias de excesso policial. O governo estadual tem negado abusos e diz investigar as ocorrências.

No fim do ano passado, dois agentes da Rota, a tropa de elite da PM paulista, viraram réus sob acusação da Promotoria de forjar um confronto em uma comunidade no Guarujá.

Na gestão da segurança, o governo paulista tem sido cobrado também em relação à manutenção do programa de câmeras nos uniformes dos policiais. O governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) chegou a questionar a eficácia dos equipamentos no início do ano, mas depois mudou o tom e no mês passado disse ao Supremo Tribunal Federal (STF) que está “comprometido” com essa política.

Suicídios

O anuário destaca ainda que houve aumento no número suicídios de policiais da ativa: foram 118 casos no ano passado, ante 99 no ano anterior. A taxa, em meio a isso, subiu 26,2%: foi de 0,2 para 0,3 (para cada 100 mil habitantes).

Entre os Estados que informaram dados, São Paulo é o quarto que teve a maior alta (80%), atrás apenas de Amazonas (300%), Mato Grosso (150%) e Rio de Janeiro (116,7%).

São Paulo teve 31 casos de suicídios de policiais em 2023, ante 22 no ano anterior. Conforme reportagem do site Ponte Jornalismo, trata-se do maior número de toda a série histórica, que compreende 11 anos.

As causas podem ser multifatoriais, mas o número expressivo requer, no mínimo, um olhar apurado sobre a questão, aponta Renato Sérgio de Lima. “A gente tem valorizado pouco os profissionais da segurança pública, na medida em que a gente tem exigido alguma cada vez mais que eles resolvam o problema sem necessariamente dar as condições de trabalho adequadas”, afirma o pesquisador.

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública da Bahia afirmou serem “constantes os investimentos em tecnologia, inteligência, equipamentos, capacitação e reforço dos efetivos, com o objetivo de combater as organizações criminosas”. “As forças de segurança atuam com rigor, dentro da legalidade e com firmeza contra grupos criminosos envolvidos com tráficos de drogas e armas, homicídios, roubos e corrupção de menores”, disse.

Conforme a pasta, o Estado apresenta redução de 13% nas mortes violentas no primeiro semestre de 2024. “Os meses de maio e junho deste ano foram os que tiveram menos mortes violentas desde a série histórica, iniciada em 2012”, disse. “Já nos últimos 18 meses, as ações de inteligência e repressão qualificada resultaram nas prisões de 27 mil criminosos, na localização de 88 líderes de facções, e nas apreensões de 9 mil armas de fogo, entre elas 95 fuzis.”

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