Muhammad Ali x George Foreman, a batalha na selva, completa 50 anos

30/out 08:00
Por Estadão

Uma luta que virou livro, documentário, ganhou um Oscar e entrou para a história como um dos duelos mais sensacionais da história do boxe completa 50 anos nesta quarta-feira. Em 30 de outubro de 1974, em Kinshasa, no Zaire, George Foreman colocava seu título mundial dos pesos pesados em jogo diante de Muhammad Ali.

Foreman havia ganho no ano anterior do lendário Joe Frazier, após derrubar seis vezes o oponente. Depois massacrou Joe Roman e ainda Ken Norton. Tudo isso em apenas cinco rounds.

Por isso, Foreman era apontado como invencível. Ali, segundo os críticos, não tinha a menor chance de vitória e até correria ‘perigo de morte’. E o começo do combate parecia que todos estavam certos.

O problema era que Ali não era um brigador como Foreman. Ele usava muito bem sua inteligência. E soube administrar a violência inicial de Foreman, cansou o grandalhão, passou a dominar as ações e obteve um dos nocautes mais incríveis de todos os tempos no oitavo assalto.

Ali recuperava o cinturão dez anos depois de vencer Sonny Liston, enquanto Foreman entrava em uma depressão, que o levaria a ficar uma década afastado dos ringues.

Quando da morte de Ali, em 2016, George Foreman demonstrou toda sua tristeza. “Ali, Frazier e eu formávamos uma só pessoa. Uma parte de mim escapuliu. A maior delas.”

A LUTA

A 13 segundos do final do oitavo assalto, Muhammad Ali acertou um fortíssimo direto de direita no meio da cara de George Foreman, que, com a guarda baixa, rodou por dois segundos antes de ir à lona, onde ouviu a contagem de dez segundos e perdeu o cinturão mundial dos pesos pesados.

Ali aproveitou um descuido para acertar uma sequência de três fortes golpes. Foreman foi caindo em câmera lenta. Detalhe: Ali poderia ter castigado o adversário, desguarnecido, mas, elegantemente, deixou o rival desabar na lona. Inesquecível.

Quarenta e cinco anos depois, no dia 30 de outubro de 2019, Big George teve um sentimento diferente ao de apenas uma derrota. “Agradeço Muhammad todos os dias por não ter desferido mais um golpe naquele momento em que eu estava caindo. Ele demonstrou uma esportividade imensa e também um respeito muito grande por mim. Um golpe naquele momento poderia ter encerrado minha vida”, afirmou Foreman, nas redes sociais, quando questionado sobre o que gostaria de falar sobre o lendário duelo em Kinshasa, no Zaire.

Foreman também não leva em consideração quando lhe perguntam se Angelo Dundee, técnico de Ali, teria feito com que as cordas ficassem mais frouxas para que seu lutador pudesse se apoiar ao ser atacado. “Apenas desculpas. Perdi justamente a luta, mas, na época, era preciso encontrar algo para ser dito. A verdade é que levei a maior surra de minha vida.”

Ali x Foreman foi uma luta que inspirou o livro de um famoso escritor (Norman Mailer) e um documentário ganhador do Oscar (Quando Éramos Reis). O duelo, em 30 de outubro de 1974, em Kinshasa, no Zaire (atual Congo), foi mais do que uma disputa pelo título mundial dos pesos pesados do boxe. É o maior exemplo esportivo de que a competência e a determinação, aliadas a uma boa dose de inteligência, podem tornar qualquer resultado possível.

A maioria dos especialistas dos Estados Unidos temia pela vida de Ali. Mas o ex-campeão, mais velho (32 anos contra 25), menos pegador (31 nocautes em 44 vitórias contra 37 nocautes em 40 triunfos), porém muito mais esperto, se esquivou dos violentos golpes do rival com maestria, caminhou no ringue como um bailarino e atacou com precisão no momento certo. O nocaute veio aos 2min58 do oitavo assalto, após uma inesquecível aula de Ali, que vencia para os três jurados: 68-66, 70-67 e 69-66.

Ali x Foreman foi o primeiro evento do empresário Don King, que levou a luta para a África, na época sob o regime do ditador Mobutu Sese Seko. O duelo fez parte de um festival de música, que reuniu James Brown, Celia Cruz, Fania All-Stars, B.B. King, Miriam Makeba e The Spinners. Cada lutador recebeu US$ 5 milhões (R$ 28,8 milhões pela cotação atual).

Mais de 60 mil torcedores foram ao Stade du 20 Mai e tiveram de esperar até a madrugada, pois o horário foi armado para privilegiar a transmissão para os EUA. O estilo falastrão, político e simpático de Ali ganhou o apoio do público, que não se cansou de gritar “Ali, boma ye” (Ali, mate-o). Sisudo e caladão, Foreman era respeitado, mas não amado pelos africanos.

A luta foi eletrizante desde os primeiros segundos. “Nunca pensei que um punho pudesse carregar tanta potência”, afirmou Ali, no livro Sou o mais Poderoso, ao se referir sobre a força de Foreman. “Nunca havia ouvido o som do medo em meu córner”, continuou o desafiante, que revelou ter sido atingido com força no segundo assalto. “Minha cabeça vibrava como um diapasão.”

O terceiro round era apontado pelos técnicos de Foreman, Sandy Sadller e Archie Moore, como o momento certo para o nocaute. Ele não veio. Pior. Ali não parava de acertar o rosto de Foreman, que demonstrava cansaço. O quinto round foi incrível. A troca de golpes é uma das mais empolgantes da história. Os dois sentiram o castigo, diminuíram o ritmo até a decisão no oitavo.

VIDA

Muhammad Ali abandonou os ringues em 1981, depois de se sagrar três vezes campeão mundial dos pesos pesados. Três anos mais tarde os médicos diagnosticaram sintomas da Doença de Parkinson no eterno campeão. A condição lhe tirou boa parte da mobilidade, mas não o entusiasmo e a motivação para seguir no trabalho e na divulgação do islamismo, religião que adotou nos anos 60.

Por várias anos, Ali mostrou que seu passaporte seguia com grande atividade. Em média, foram mais de 250 dias em viagens internacionais. Seu nome estava vinculado a vários produtos esportivos. O último contrato foi assinado com a Everlast. A marca escolheu Ali para festejar o seu centenário.

Em novembro de 2005, Ali fundou um museu em Louisville, sua cidade natal. Investiu US$ 80 milhões (R$ 319,8 milhões) em uma obra gigantesca. Tudo sobre o ex-campeão está reunido em um lugar maravilhoso. Morreu, em 3 de junho de 2016, aos 74 anos.

Foreman seguiu caminhos diferentes, mas atingiu o sucesso da mesma forma. Big George abandonou os ringues pela primeira vez em 1977. Voltou dez anos depois e ganhou o título mundial em 1994, aos 45 anos, ao nocautear Michael Moorer.

Ganhou muito dinheiro, mas ficou ainda mais milionário, ao filiar seu nome com uma marca de grill. Foram mais de US$ 100 milhões (R$ 399,7 milhões) para sua conta bancária. A exemplo de Ali, Foreman também viaja pelo mundo. Esteve no Brasil, em 2003. Aos 70 anos de idade, Foreman diminuiu um pouco ritmo desde a morte de sua filha Freeda, de 42 anos, em 10 de março de 2019.

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