Museu do Ipiranga: estrutura de quase 130 anos reabrirá no dia 7 de setembro

08/08/2022 05:30
Por Edison Veiga, especial para AE; Leon Ferrari / Estadão

Quando reabrir as portas ao público, totalmente restaurado, com novos espaços e exposições feitas com roupagem contemporânea, o Museu do Ipiranga não estará apenas celebrando o bicentenário da Independência do Brasil. Porque se a data corre o risco de ser apropriada no contexto eleitoral, a instituição de quase 130 anos é sólida, permanente. Sua importância transcende o momento atual. E, modernizado, o museu deve atrair mais ainda do que os 300 mil visitantes que circulavam pelo seu interior antes do fechamento, ocorrido em 2013.

Ampliado, o Museu do Ipiranga vai retomar o lugar que ele conquistou ao longo do século 20: um símbolo da história brasileira, um espaço de entretenimento cultural que pertence não a uma instituição – no caso, a Universidade de São Paulo (USP) -, mas a todo o imaginário nacional.

A reportagem do Estadão esteve no interior do museu nas últimas semanas. Recuperação, modernização e ampliação foram palavras que não saíram da boca daqueles envolvidos nas obras. Pouco tempo antes da entrega, seja no Jardim Francês, no edifício-monumento ou na nova instalação, o cenário é de correria. Tudo em prol dos reparos estarem finalizados até a meia-noite do dia 6 de setembro, véspera do bicentenário.

Além do prazo curto, foi preciso enfrentar os desafios de lidar com uma construção de quase 130 anos e suas fragilidades. Fechado às pressas em 2013, o museu paulistano mais antigo está cada dia mais próximo de receber um público ansioso para visitá-lo novamente ou pela primeira vez. Por mais que a manutenção das características originais tenha sido o foco, o passeio não será mais o mesmo.

JARDIM. A visitação começa pelo glamouroso Jardim Francês, que precisou de restauro para retomar características de um século atrás – geometria e simetria -, além de recuperação da iluminação e do pavimento. Antes, a área era de responsabilidade da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, mas, agora, é administrada pela USP. Os reparos no local começaram há cerca de cinco meses. Entre as novidades, um restaurante que será instalado de frente para o verde.

O cartão-postal do Jardim Francês são suas fontes de água, que já não estavam operacionais. A que fica no centro é composta por sete tanques e mais de cem bicos d’água, conta o engenheiro responsável pela obra, Frederico Martinelli. O jato central alcança 30 metros e, quando ativo, emoldura o edifício-monumento ao fundo.

O visitante, então, sobe contemplando o jardim e dá de cara com a janela panorâmica – com cerca de 35 metros – do edifício de ampliação. A leste ou a oeste, há uma porta de entrada do local que dará acesso ao prédio antigo e suas exposições. Antigamente, a entrada se dava direto pela esplanada da construção.

A nova área de aproximadamente 7 mil metros quadrados fica, ao mesmo tempo, abaixo da terra e embaixo do edifício-monumento. “Foram mais de 2 mil caminhões de terra removidos. Trinta e cinco mil metros cúbicos de terra”, explica Martinelli.

No edifício de ampliação ficarão salas administrativas, laboratórios de arte, um café, a bilheteria, um auditório com 200 assentos e uma sala para mostras temporárias de 900 metros quadrados. Deslocar a estrutura administrativa teve a intenção de deixar o edifício-monumento exclusivamente para as exposições.

Por ali, duas escadas rolantes e um elevador levam até o térreo do museu – são a porta de entrada. Inclusive, o túnel que leva ao ascensor, que proporciona acessibilidade, foi responsável, segundo Martinelli, por um dos momentos de maior tensão da obra. “Cavar por baixo da fundação que você não conhece, em solo sensível, foi realmente um grande estresse.” Só foi possível avançar meio metro por dia e, para estabilizar o solo, foi necessário injetar natas de cimento. “O que nós escavamos não era mais um solo virgem, o solo original, era um solo de cimento.”

A estrutura de 7 mil metros quadrados é feita de concreto colorido e projetado. Segundo Martinelli, o uso de 3,5 mil metros cúbicos do material é um recorde nacional. A cor remete à terra. “Para dizer que esse prédio é enterrado”, afirma o engenheiro. No teto, também foram posicionadas 3,5 mil plaquinhas de tratamento acústico. Afinal, trata-se de uma estrutura de concreto. “Reverbera muito o som”, explica Martinelli.

EDIFÍCIO-MONUMENTO. Como as escadas rolantes ainda não estavam operando na visita da reportagem, foi preciso entrar no edifício histórico pela fachada sul, que dá para o Bosque do Ipiranga. Dali, é possível observar o restauro da área externa. Um trabalho quase cirúrgico, para retirar camadas de tinta e esculpir novamente os adornos. Também pôde-se analisar com mais cuidado o amarelo original da construção. Encontrar a coloração, conta Martinelli, exigiu um “trabalho de laboratório”, fruto de múltiplas decapagens. A tinta é mineral, não de látex. “Para permitir a respiração da alvenaria.”

No torreão central, foi construída uma torre de estrutura metálica para abrigar dois elevadores, assim como uma espécie de novo andar acima do edifício-monumento. Nele, também de estrutura metálica, fica localizado um mirante, que permite enxergar a cidade de São Paulo em 360°. Dali é possível ter uma visão aérea das formas geométricas do jardim.

Para construção do novo andar, assim como para reparar o telhado de capa de cobre – foco de problemas que exigiram o fechamento do museu -, foi preciso erguer um “telhado provisório” para proteger o prédio, lembra Martinelli. O engenheiro também mostra que foi feita uma espécie de cobertura nova sobre a claraboia original do prédio, que permite a entrada de luz na escadaria monumental.

Outra novidade fica no andar abaixo: duas galerias que ligam o torreão central às alas leste e oeste da construção. Antes era necessário descer e subir escadas para ir a salas localizadas em diferentes áreas. As novas passagens, além de facilitar a circulação, servirão para exposição. Dentro do prédio, como o acervo está sendo realocado, não foi possível adentrar as salas de exposição. No entanto, pôde-se ver os arcos (“rasgos” nas paredes) entre os espaços que, antes, não eram interligados.

RESTAURO. Para a recuperação das salas, 450 portas e janelas foram retiradas e envernizadas, além de terem a madeira e a parte metálica restauradas. O vidro foi trocado por um do tipo low-e (que facilita a regulação da temperatura interna). “Entra a luz, mas não caloria.” Isso como medida de conforto térmico, afinal torres de ar-condicionado não combinariam com o espaço.

No térreo, onde começa a escadaria monumental, os principais destaques são o piso francês recuperado, além da própria escada de mármore de Carrara que foi limpa e reconstituída. Andaimes tomam a estrutura, enquanto uma equipe se dedica a restaurar pinturas a óleo na sanca da claraboia.

Talvez esse seja o andar mais impactante de toda a estrutura. É preciso de pouco tempo para se sentir imerso no passado. Parece que, a qualquer momento, uma carruagem vai atracar do porte-cochère e, dela, descerão mulheres com vestidos longos.

Sustentabilidade também fez parte do eixo de modernização da estrutura. Martinelli conta, por exemplo, que parte da água das fontes do jardim virá do lençol freático que se infiltra por trás do bosque e segue na direção do Riacho do Ipiranga. A madeira do século 19 retirada das lajes removidas para construção da torre de elevadores no torreão central se tornou tacos e foi parar no piso do edifício-monumento. Além disso, na obra de ampliação estão dois geradores a gás, não a diesel (mais poluente), que alimentarão todo o prédio em caso de emergência.

Após o incêndio no Museu Nacional, em 2018, no Rio, sistemas de combate ao fogo se tornaram preocupação latente para preservação de prédios históricos e monumentais. No Museu do Ipiranga não foi diferente. É só olhar para o teto para observar um pequeno círculo alaranjado (detector de fumaça) e outro branco (chuveiro d’água).

MOSTRAS. O museu reabre no bicentenário da Independência com 12 mostras simultâneas (11 de longa duração e uma temporária). No total, 25 profissionais da instituição, associados a dez pesquisadores acadêmicos com projetos relacionados aos temas, compuseram a força-tarefa da montagem. E houve ainda equipes contratadas: 20 assistentes de pesquisa, um gerente de produção e três empresas, de arquitetura, design e tecnologia, com 11 pessoas envolvidas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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