Negociação de venda da Hering à Arezzo envolve questões de negócio e familiares

17/04/2021 08:18
Por Fernanda Guimarães e Fernando Scheller / Estadão

A divulgação de uma negociação entre duas das maiores varejistas movimentou os bastidores do mercado financeiro nessa semana: a Arezzo, um grupo calçadista que tenta se converter em uma gigante da moda nacional, fez uma proposta de R$ 3 bilhões para comprar a Hering, tradicional rede de moda que hoje tem 778 lojas. Por trás dessas conversas, há fatores de negócio – como a necessidade de a Arezzo se expandir e ganhar musculatura – e também questões mais pessoais, como a suposta pouca disposição da família Hering em tocar seu negócio adiante.

Conversando com fontes próximas às negociações, o Estadão descobriu que a questão envolve um plano estratégico antigo, de um lado, e a perda de paciência com um negócio que falhou em mostrar recuperação ao longo de vários anos, de outro. A Arezzo traçou há cerca de cinco anos um plano estratégico de ir além dos calçados e virar um “player” de moda: já comprou a Reserva, que tinha Luciano Huck como sócio. E a Hering seria um passo mais ousado – e mais arriscado – para colocar esse objetivo definitivamente em pé.

Além de ter um número muito maior de lojas, a Hering – comandada pelo empresário Fabio Hering, membro da família fundadora da marca – é uma empresa centenária (criada em 1880) e que também tem um considerável parque industrial instalado. Tradicionalmente, a Arezzo sempre trabalhou com produção terceirizada.

Acordo ‘ganha-ganha’. O grupo Arezzo – que também inclui marcas como Alexandre Birman, Schutz, Anacapri e Vans – decidiu que está pronto para este salto, apesar das dificuldades que o varejo enfrenta em meio à pandemia de covid-19. A alta cúpula da Arezzo passou os últimos dias em reuniões e deverá formar um grupo de trabalho para tratar sobre a proposta para a Hering, afirmou uma fonte. “A hora de agir, para quem está forte neste momento, é mesmo agora”, definiu um banqueiro.

Isso não quer dizer que colocar a tradicional marca de roupas para dentro de casa será um caminho sem obstáculos. A Hering é vista há anos como um negócio em decadência, que precisa de um “face lift” para voltar a ser lembrada com mais frequência pelo consumidor. Como a Arezzo é considerada eficiente no cuidado com suas marcas, a notícia dessa união animou o mercado, que considerou a negociação saudável para ambas as partes.

Na quarta-feira, 14, a Hering revelou ao mercado ter recebido a proposta não solicitada da concorrente. Desde então, a companhia ganhou mais de R$ 1 bilhão em valor de mercado na B3, a Bolsa paulista, e agora vale R$ 3,8 bilhões. A Arezzo também se valorizou nos últimos dias, ao contrário do que costuma acontecer com empresas prestes a fazer grandes desembolsos. A companhia de moda capitaneada por Alexandre Birman hoje é avaliada em quase R$ 8 bilhões.

Questão de família. Segundo fontes de mercado, tocar um negócio do tamanho da Hering, em tempos de crise, não tem sido fácil. Gente próxima às negociações afirma que o interesse pela marca já não é tão grande dentro da família. Por isso, a aposta da maior parte do mercado é de que o casamento de Arezzo e Hering deverá sair. “É só uma questão de ajustar o preço”, define um observador das conversas.

Esta não é a primeira conversa entre Arezzo e Hering, aliás. Mas, segundo fontes ouvidas pelo Estadão, o negócio nunca andou porque Fabio Hering não se mostrava disposto a vender sua participação na empresa. A visão, agora, é de que o posicionamento seria diferente.

Há quem diga que a Arezzo começou jogando duro. Por isso, tudo o que a Hering estaria aguardando é uma nova oferta. A proposta de R$ 3 bilhões pela Hering está abaixo do valor da empresa pré-pandemia, que estava em torno de R$ 5 bilhões.

“A Arezzo começou jogando um preço muito baixo”, disse fonte próxima à Hering. “Mas a negociação deve andar.” Do lado da Arezzo, comenta uma fonte, a visão é de que a oferta, que considerou um prêmio de 20%, é justa, principalmente porque a aquisição engloba a reestruturação da operação.

A leitura, ainda, é o fato de a Hering ter, desde o princípio, contratado a BR Partners e o Machado Meyer como assessores, deu a indicação de que a intenção é de seguir com a venda, afirmou uma fonte. Fora isso, a própria divulgação da proposta foi entendida como um sinal de que as portas estão abertas para a negociação.

Momento propício

Avaliada em quase R$ 8 bilhões no mercado acionário brasileiro, a Arezzo é o típico caso de empresa “queridinha” do mercado que chegou ao ápice do que era capaz de conseguir dentro de seu mercado original. É por isso, segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), Eduardo Terra, a companhia está empreendendo a migração para um mercado maior – nesse caso, o de moda.

“Quando se olha a Reserva, por exemplo, há muito valor agregado, mas a marca ainda é limitada a um determinado público e tem uma segmentação”, diz Terra. “Numa lógica estratégica, é natural que se busque uma aquisição para ocupar esse espaço.”

E a Hering ocupa exatamente esse espaço, trazendo escala para a operação. “A Hering tem um posicionamento de franquia e de marca que se encaixaria ao modelo da Arezzo”, diz.

Assim como o especialista em varejo, o mercado financeiro também acredita que o negócio faz todo o sentido. “A combinação de negócios para Arezzo seria positiva porque aumentaria sua exposição nas marcas de roupas e traria sinergia de custos por conta da forte capacidade de produção e distribuição da companhia, além da experiência dos gestores da Arezzo que significaria uma virada de jogo para a Hering, melhorando a estratégia de vendas online”, comenta o analista Regis Chinchila, da Terra Investimentos, em relatório.

Além disso, pode ser uma saída lucrativa para os acionistas da Hering. “A empresa tenta fazer um ‘turnaround’ há muito tempo e não vem tendo muito sucesso”, diz o gerente de pesquisa da corretora Ativa Investimentos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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