Nem Lula, nem Bolsonaro, nem Ciro, nem Moro, nem…

29/01/2022 08:00
Por Gastão Reis

O título deste artigo bem poderia ter sido “Como continuar na mesma…”. As reticências em ambos deixo à criatividade e à indignação do(a) leitor(a).

É surpreendente a incapacidade de a grande mídia discutir questões de fundo, indo para o trono Sua Mediocridade, o Curto Prazo. Em parte compreensível pelo uso do cachimbo-boca-torta da profissão de jornalista, palavra cuja origem nos remete ao dia a dia, assim como a minha tribo de economistas tem o vício do “Vamos supor”, fugindo à incômoda realidade. Debater as opções de candidaturas à presidência faz sentido em termos. O que foge à realidade é a ilusão de que A ou B poderá fazer diferença dada a nossa desarrumação estrutural, em especial nos campos da política e da economia.

Vamos por partes. Falar de Lula é cansativo dado o histórico dessa figura e do PT em matéria de mentiras e roubalheira sistêmica. Sua postura de vestal injustiçada revela sua incrível capacidade de mentir com cara limpa. E reflete o grau de cinismo a que chegou a vida política no Brasil, que contaminou outras esferas do poder como parte do Judiciário e o poder legislativo nos três níveis. Deixou sequelas no próprio STF em suas decisões que liberou Lula para concorrer à presidência. Pior: pouco se lixando para sua condenação por um colegiado de juízes por unanimidade em segunda instância!

Bolsonaro acabou se tornando um exemplo de como boas intenções podem pavimentar o caminho para o inferno. Oriundo do baixo clero, acabou batendo de frente com o legislativo federal, poder que deveria conhecer após 27 anos como parlamentar. Seus pendores golpistas acabaram encontrando forte resistência na sociedade civil e no próprio Exército por conhecer seu histórico na caserna e do risco de elevá-lo à condição de ditador com plenos poderes. A despeito dos apoiadores, que acreditam na teoria da conspiração contra seu governo, a verdade é que sua rejeição vem crescendo, tendo atingido 60%. Lula e PT mandam celebrar missas gregorianas para que mantenha a candidatura, pois é o melhor candidato para Lula enfrentar e vencer num segundo turno.

Ciro Gomes lembra a sina de Leonel Brizola, eterno candidato nunca eleito à presidência da república. Ele nos remete ao princípio da indução reversa de que nos falava o saudoso Prof. Mario Henrique Simonsen, segundo o qual “uma experiência que deu errado inúmeras vezes deve ser repetida até que dê certo”. Ciro acredita na reestatização de empresas públicas, e vê com maus olhos a reforma trabalhista. (O Brasil, por volta de 2015, chegou a atingir o recorde planetário de três milhões de ações trabalhistas num único ano em função das brechas da legislação anterior que permitia, entre outros absurdos, a litigância de má-fé pelo trabalhador. A mesma legislação foi responsável, em boa medida, por colocar quase metade da força de trabalho na informalidade sem proteção alguma!).

É curiosa a troca de farpas entre Lula e Ciro no afã de se sentarem na cadeira presidencial, quando levados em conta os muitos pontos em comum de suas propostas de governo. Certamente, podem nos conduzir a mais um desastrado episódio do princípio da indução reversa (ou contraindução). Que Deus nos livre dessa tragédia óbvia reprogramada!

É natural que os olhos se voltem, esperançosos, para o ex-ministro Sergio Moro. Afinal, foi o juiz que assumiu a bandeira da luta contra a corrupção e que conseguiu fazer retornar aos cofres públicos bilhões de reais surrupiados, coisa inédita no Patropi. Cabe responder se terá condições de arrumar a casa.

Bom lembrar que essa era a bandeira inicial de Bolsonaro quando iniciou o seu mandato a ponto de nomear Moro seu ministro da Justiça. A desilusão de parte a parte teve razões diferentes. A de Bolsonaro diz respeito ao grau de corrupção da máquina pública brasileira, que o levou a abraçar o Centrão, e a se render à defesa dos filhos nos processos relativos às “rachadinhas”. A de Moro terá a ver com o futuro, pois a mesma máquina continuará em operação.

E aqui adentramos nas questões de fundo, mal ou não resolvidas faz muitas décadas. Em meu artigo da semana passada, eu tratei de duas delas: a perniciosa junção na pessoa do presidente da república das chefias de Estado e de governo; e a participação dos militares na política, com seu saldo nefasto em toda a América Latina.

Imaginemos, agora, Sergio Moro eleito, já que nos parece a novidade no pedaço, que inclui Felipe D´Avila, do Partido Novo. Além dos problemas arrolados no parágrafo anterior, outros de igual ou maior peso entram nessa fila de desafios não-enfrentados. Listarei mais sete, imprescindíveis, para que o País entre nos eixos: o voto distrital puro e a possibilidade de revogação de mandatos (recall) para que o eleitor tenha controle sobre seu representante; corrupção sob controle efetivo; enxugamento do número de partidos para lhes dar nitidez ideológica; educação pública de qualidade; bônus por desempenho (performance bond), um seguro que permite praticamente erradicar corrupção em obras pública; e a restauração da confiança popular nas instituições, hoje no nível do tornozelo, fato confirmado por pesquisa do Datafolha.

Os países considerados bem resolvidos ou razoavelmente bem sucedidos na esfera político-econômico-institucional satisfazem a maioria ou todos esses requisitos. A má notícia é que a continuar desse jeito, nem Moro, nem futuros presidentes vão conseguir realizar o que sempre prometem porque as questões de fundo continuam sob o tapete, permitindo a continuação da corrupção sistêmica, da desigualdade brutal e do status de um Povo a serviço da alta burocracia quando devia ser o inverso.

A boa notícia é o exemplo da população que já começa a ser mexer antes mesmo do pós-pandemia. Corre nas redes sociais um abaixo assinado, já com mais de 400 mil assinaturas, contra os salários estratosféricos da alta burocracia. O lado dramático é que as referidas questões de fundo, críticas para destravar o País, até o momento, não fazem parte da plataforma dos candidatos à presidência da república.

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