Nilson Teixeira: ‘Meta para dívida, em vez de limite de gasto, é equívoco’

12/08/2022 08:58
Por Adriana Fernandes / Estadão

O economista Nilson Teixeira, ex-Credit Suisse e atual sócio da Macro Capital Gestão de Recursos, defende o fortalecimento da política fiscal no próximo governo por meio de um cronograma para alcançar superávits primários (contas no azul) até um patamar entre 2% e 2,5% do Produto Interno Bruto (PIB) no fim do próximo mandato. O modelo contemplaria limites por tipo de gasto, como social, pessoal, Previdência e investimentos.

Para ele, a ideia de criar uma regra atrelada à dívida seria “um equívoco”. Na sua avaliação, depois das eleições, o Congresso atual deveria votar logo uma mudança no arcabouço da regra fiscal porque a regra do teto de gastos, que atrela o crescimento das despesas à inflação, “já está morta”.

Um dos primeiros no setor financeiro a escrever que o mercado não precisa ter medo de um novo governo Lula, Teixeira diz que o ex-presidente pode construir um programa que leve o País a uma situação melhor, mas admite o risco das políticas intervencionistas: “Tenho receio das ideias velhas”.

A seguir, os principais trechos da entrevista:

Como vê as propostas de mudança no teto de gastos?

A regra do teto está morta desde 2020, e uma nova precisa ser buscada. A minha preferência é por uma regra de superávit primário com cronograma para se chegar a um superávit primário de 2%, 2,5% do PIB no fim do governo. Em conjunto, se estabelecem algumas regras de limitações para os gastos. Se for para gasto social com os mais pobres, um limite. Se for para folha de pagamentos do funcionalismo, outro. Para aposentadoria, outro. Um limite para investimento. Não faria sentido criar 500 limites, mas um conjunto de três ou quatro parece razoável.

O Ministério da Economia estuda criar uma meta para a dívida. Como avalia?

Ter regra para dívida é um equívoco. Em 2020 e início de 2021, bons economistas falavam em dívida chegando a 100% do PIB num prazo exíguo. Hoje, a dívida está abaixo de 80% do PIB. Isso demonstra que é muito difícil projetar a dívida. Até porque, quando se está combatendo a inflação, os juros aumentam e a dívida pode acelerar temporariamente, antes de recuar. Não é o caminho.

A situação fiscal hoje do País é de risco elevado?

Vejo analistas dizendo que os juros têm de aumentar mais porque o Brasil carrega uma bomba fiscal. Não há esse risco de insolvência da dívida. A discussão fiscal está muito mais atrelada ao crescimento potencial da economia. Dívida alta dificulta o crescimento.

De que forma atrapalha o crescimento?

Por exemplo, com uma meta de superávit, se o governo gastar mais, tem de cobrar mais impostos. O resultado primário será o mesmo, e a capacidade de pagar a dívida continua a mesma. Não gera maior risco de insolvência da dívida, excluindo-se, naturalmente, casos extremos. O que essa estrutura de impostos elevados gera é menor capacidade de crescimento econômico. O impacto negativo da situação fiscal, portanto, não é nem a insolvência nem uma eventual inflação muito maior, e sim um crescimento mais baixo.

Poderia detalhar como seriam as restrições?

Sugiro um gasto das despesas de, no máximo, inflação mais o crescimento do ano anterior, limitado ao crescimento potencial do País de 1,5% ao ano. Além disso, a folha do funcionalismo não poderia crescer mais do que a inflação. A alta das aposentadorias também precisa ser limitada, desatrelando aumentos à inflação, e não ao salário mínimo. Assim, será necessária uma nova reforma previdenciária.

Entre as reformas, qual o próximo presidente deveria fazer primeiro?

Eu iria dizer a tributária, mas talvez o mais correto seja falar de uma reforma que busque o atendimento mais amplo das camadas mais pobres. Essa seria a reforma principal: reduzir a miséria de uma maneira mais ampla. Isso exigiria alterações profundas nas questões tributária, educacional, de saúde, administrativa e de segurança pública. Crucial mesmo é fazer tudo o que for necessário para a redução da pobreza e a extinção da miséria.

Especialistas do “Grupo dos Seis” e economistas do PT defendem um “waiver” (a licença para gastar) em 2023 até que se reformule o arcabouço fiscal. É um caminho?

O risco é de esse waiver ser prorrogado por muito tempo. É o que geralmente ocorre. O adequado seria o atual Parlamento contribuir para que as propostas do futuro governo comecem a deslanchar. Articular medidas mais relevantes em relação ao Orçamento de 2023. Não tenho dúvidas de que há mecanismos hoje que permitem (ao Auxílio Brasil) continuar concedendo R$ 600 ou mesmo R$ 800 para as famílias por alguns meses, cortando ou eliminando outras despesas.

O sr. foi um dos primeiros a escrever que o mercado não precisa ter medo de um novo governo de Lula. O que o mercado cobra?

Há sempre o risco de as políticas intervencionistas serem ampliadas. Tenho receio das ideias velhas. A sociedade quer reduzir a pobreza e a desigualdade de renda, bem como ter um País que cresça mais. A questão é como fazê-lo. Temos longa experiência de medidas que não ajudaram na redução da pobreza, mas, mesmo assim, continuam existindo e garantindo a transferência de renda dos mais pobres para os mais ricos. Não faz sentido ter profissionais liberais ganhando R$ 300 mil e pagando pouquíssimo imposto, enquanto outros ganhando R$ 7 mil e pagando muito mais em termos relativos.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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