Nomes na barra do vestido de noiva

24/12/2023 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

Quando nos aproximamos do final de ano, as crendices, as superstições, as simpatias sempre ganham mais espaços nas ações populares. Por convicções religiosas, não tenho afinidades com os hábitos que só se justificam por intuições folclóricas, mas admito que eles fazem parte de uma cultura que se estende por anos a fio. E posso lhe garantir que as crendices e superstições ainda existem, porque, dentro de um conjunto de probabilidades, casos ocorrem para respaldá-las. Vou lhe contar um caso que envolveu duas amigas. Mas antes me responda com sinceridade:

– Você se olha em espelho quebrado?  Passa debaixo de escada? Bate na madeira três vezes para isolar coisas ruins? Coloca a vassoura atrás da porta para afastar as visitas indesejadas? Abre a porta para que as boas visitas possam retornar e acha que elas devem sair pela mesma porta que entraram? Já deu três pulinhos para São Longuinho? Acha que gato preto na sexta-feira traz azar? Qual a cor da roupa que você usa na passagem de ano? Já mordeu a ponta da gola da camisa ao sentir a orelha queimando para quem estiver falando mal de você morder a língua? Deixa chinelo virado? Só levanta da cama com o pé direito? Guarda trevo de quatro folhas na carteira? Anda com pé de coelho na bolsa? Pendura ferradura atrás da porta? Conta estrelas? Não come manga com leite? Como você encara a sexta-feira 13 e o mês de agosto?…

Eu, como filho do Nordeste, carrego lembranças que não se desfazem pelas comprovações científicas. Não consigo deixar um chinelo virado, mas faço suco de manga com leite. E, em Teresina, nunca comi lentilha em passagem de ano. Ela não se faz tão presente na cultura nordestina. E quem mora no sertão não tem como pular sete ondas. Ter água no poço já é uma bênção!…

Não posso negar o que já passou pelas minhas retinas: vi gatos arrepiados diante da presença de algumas pessoas. Criancinha recém-nascida com correntinha de ouro no pulso pendurando uma figa para espantar mau olhado. Isso pelo amor das mães que tentam proteger filhos e filhas das energias negativas. Vi rezadeiras, benzedeiras orando para curar “espinhela caída”, “vento virado”, “quebranto”…

A crença popular é rica em casos que se sustentam pelo “benza-a Deus” e não pelos remédios produzidos pela Ciência. E nesse contexto das superstições, venho lhe contar uma história que ouvi em uma roda de amigos regada de boas risadas:

Uma noiva com sólidas convicções religiosas rendeu-se aos desejos das amigas: cedeu a barra do vestido, com o qual subiria ao altar no dia do casamento, para que as colegas solteiras escrevessem os seus nomes. A barra ficou repleta. A disputa pelo buquê na festa também foi acirrada. Todas que colocaram o nome na barra do vestido casaram. Mas uma de suas amigas só casou depois que se aposentou, por isso teve um longo período de namoro e noivado a ponto dos amigos já os considerem matrimoniados. Até o padre que os casou confundiu:

– Vocês vieram aqui para marcar a missa das botas de prata?

– Não, a gente ainda nem casou!  –  Respondeu a noiva, que era mais próxima do padre.

– Eu sempre pensei que vocês já eram casados…

E aqui posso afirmar, pois os conheci antes do matrimônio. Eu também achava que eram casados. Quando recebi o convite da cerimônia de casamento, a princípio, fiquei sem entender, pois os dois enquadram-se na conhecida metáfora do “queijo com goiabada”. Quando a gente encontra um, lembra do outro. Não há como pensar um sem o outro. Há um companheirismo, uma cumplicidade, uma amizade consolidada pelo tempo. Isso não é fruto de um nome na barra de um vestido de noiva, mas do amor, da compreensão, da resiliência, da resignação, do diálogo amadurecido na sensatez regida pelo equilíbrio.

Sobrinhos e sobrinhas da noiva, já adultos, não perderam a oportunidade de prestar uma homenagem ao casal com um toque de humor e carinho: entraram surpreendentemente como pajens e daminhas de honra com um cartaz em que estava escrito: “esperamos tanto tempo por esse momento”.

A paz de um ambiente familiar, com certeza, não é regida pelos astros, mas pelo respeito mútuo imprescindível em qualquer convivência, uma vez que a harmonia não é uma questão de sorte ou azar. O “feliz natal”, o “próspero ano novo” são construídos no dia a dia. A fé, a esperança são inerentes às aspirações de uma vida melhor em que a felicidade possa estar sempre presente. O ser feliz não é obra do acaso, como também não é um produto farmacêutico. A felicidade tão desejada só é conquistada pelo amor.

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