Norma do CNJ sobre bloqueio de contas tem punição a corretoras e ranking de bancos infratores

03/nov 07:01
Por Lavínia Kaucz / Estadão

Uma nova norma do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) estabelece que corretoras e distribuidoras de valores mobiliários que não cumprirem ordens judiciais de bloqueio de ativos de clientes poderão ser responsabilizadas pela dívida. A portaria regulamenta o Sistema de Busca de Ativos do Poder Judiciário (Sisbajud), uma ferramenta utilizada por juízes para consultar saldos e bloquear contas de pessoas e empresas devedoras na Justiça.

O sistema funciona como uma ponte entre o Judiciário e as instituições financeiras, a quem cabe executar os bloqueios e entregar os dados requisitados pelos juízes. Embora o Sisbajud esteja em uso desde 2020, as regras vigentes até agora eram as mesmas que regiam o sistema anterior, o BacenJud. A nova regra do CNJ foi publicada em 14 de outubro e já está em vigor.

A norma determina que as corretoras são responsáveis solidárias pela dívida – ou seja, podem ser cobradas se não efetuarem o bloqueio “imediato e integral” dos valores depositados em seus sistemas. Na avaliação da procuradora Renata de Paula, que representou a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) na edição da portaria, a lei já permite que os bancos sejam responsabilizados em caso de descumprimento de ordens judiciais. De acordo com ela, a previsão específica para corretoras na portaria do CNJ “ocorreu porque eram as instituições que mais precisam de ajustes no procedimento”.

“Nos termos do artigo 927 do Código Civil, quem causar dano é obrigado a repará-lo. Ou seja, apesar da previsão expressa para corretoras e distribuidoras, as outras instituições autorizadas pelo Banco Central também podem ser chamadas a responder por prejuízos causados por descumprimento das regras do Sisbajud”, disse a procuradora ao Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado).

Em relação aos bancos, também está prevista a criação de um portal que vai dar publicidade às instituições que descumprirem as ordens judiciais – uma espécie de ranking de bancos inadimplentes. A página deve ser publicada no site do CNJ no ano que vem e vai informar, mensalmente, o rol das instituições e o porcentual de solicitações não respondidas. “Espero que a publicação da inadimplência sirva de incentivo para instituições financeiras se adequarem. Existe a questão de reputação, de ser uma instituição que não cumpre as ordens”, avalia Renata.

De acordo com a procuradora, um dos objetivos da regulação é dar mais celeridade aos processos de execução fiscal, entre outras cobranças judiciais. Hoje, as execuções fiscais representam o maior fator de congestionamento do Judiciário – aproximadamente 34% do total de casos pendentes na Justiça – e são pouco eficientes – em torno de 2% do crédito tributário é recuperado.

A regulamentação também visa a agilizar o combate a crimes financeiros, como lavagem de dinheiro. “Em processos criminais, a descapitalização é essencial e é preciso um sistema efetivo, moderno, que converse de uma forma ágil com as instituições financeiras”, afirma Renata.

Outra novidade é a impossibilidade de transferência dos saldos para operações compromissadas. Até então, era comum que os atingidos esvaziassem a conta-corrente, levando os valores para Certificados de Depósito Bancário (CDB) e Recibos de Depósitos Bancários (RDB), por exemplo, para fugir do bloqueio. “Sempre que a ordem batia, vinha negativo. Mas a esperança é que agora não aconteça mais”, diz Renata. A partir da nova norma, esses valores devem ser bloqueados de forma imediata, “independentemente da natureza do negócio jurídico firmado entre a instituição e o atingido”.

Nova forma de responsabilidade solidária

Para o advogado Renato Vieira, presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), há dúvidas quanto à “possibilidade legal de se instituir uma nova forma de responsabilidade solidária por força de resolução”. Para ele, a responsabilização das corretoras deveria ser prevista em lei, e não em ato infralegal.

Vieira também avalia que essa responsabilização delega uma atribuição do poder público para as instituições privadas. “Há uma tendência de privatização de uma atividade pública de controle”, disse ao Broadcast.

Por outro lado, o advogado vê como positivo o “propósito uniformizador” da resolução do CNJ. “Agora temos abrangência muito maior e mais uniforme, abrange bancos, casas de custódia, letras de câmbio, instituições financeiras em liquidação judicial, é mais padronizado”, afirmou.

Em nota, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que o Sisbajud “é um importante e fundamental mecanismo para conferir efetividade às decisões judiciais, pois permite o rápido bloqueio de valores e investimentos”. De acordo com a entidade, no primeiro semestre de 2024 foram R$ 40,8 bilhões, “o que demonstra o total compromisso do setor bancário em dar cumprimento às ordens judiciais”.

Procurada, a Associação Nacional das Corretoras de Valores (Ancord) disse que ainda está consultando os associados para formalizar um parecer sobre a regulamentação.

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