‘O cinema anda em crise, mas lendas o alimentam’, diz Peter Bogdanovich

16/03/2021 08:40
Por Rodrigo Fonseca, especial para o Estadão / Estadão

Prestes a colocar o ponto final em um novo livro, chamado Five American Icons (Cinco Ícones Americanos, em livre tradução), sobre todas as mitologias cinéfilas em torno de Lauren Bacall, Kirk Douglas, Arthur Miller, Clint Eastwood e Jack Nicholson, o realizador Peter Bogdanovich admite haver algo de irônico com o fato de sua obra-prima, A Última Sessão de Cinema (1971), estar completando 50 anos num momento em que salas exibidoras do mundo todo fecham suas portas. “É a covid, mas não só”, admite o cineasta nova-iorquino de 81 anos em entrevista ao Estadão por telefone, desde seu escritório, em Los Angeles.

Lá, ele ainda prepara mais um livro: But What I Really Wanna Do Is Direct (Mas o que eu realmente quero fazer é ser sincero, em livre tradução), uma espécie de diário com citações e anotações de sua carreira. Aliás, uma das carreiras de maior prestígio da chamada Nova Hollywood (ou Geração Easy Rider), a turma de diretores que mudou a maneira de se filmar nos EUA, entre 1967 e 1981, a partir de um engajamento social, de uma cartografia das desilusões inerentes ao sonho americano e da ruptura com os ditames dos estúdios.

Scorsese, Coppola, De Palma, Elaine May, Spielberg apareceram ali e redefiniram a História, num casamento feliz (e raro) entre autoralidade e sucessos de bilheteria em série, do qual Bogdanovich fez parte também com Essa Pequena É Uma Parada (1972) e Lua de Papel (1973).

Mas foi A Última Sessão de Cinema (The Last Picture Show) – drama em preto e branco sobre a perda da inocência da juventude do Texas, em 1951, tendo uma velha sala de projeção como ponto de encontro – que mais lhe deu projeção na indústria. Dois Oscars de melhor coadjuvante, dados a Cloris Leachman e Ben Johnson (numa atuação antológica), imortalizaram o longa, que aniversaria agora, inspirando um debate que Bogdanovich considera doloroso (ou quase terminal) sobre o futuro da arte cinematográfica.

Qual é a sua maior preocupação em relação às finanças dos cinemas ao fim da pandemia?

Tenho um filme para dirigir ainda este ano, chamado One Lucky Moon, que é uma comédia ambientada em parque temático do Velho Oeste. Ele acabou adiado pois tudo parou em Los Angeles, com o coronavírus, e pessoas da minha idade precisam ficar em casa. Mas o que me parece perigoso é que as novíssimas gerações estão descobrindo o cinema em plataformas digitais nas quais a experiência de ver filmes é completamente diferente, e é feita em casa. Você não precisa ir a um lugar, pagar ingresso. Isso pode ameaçar o futuro do circuito, somando-se ao fato de que mais ninguém parece se interessar pelos clássicos, por Howard Hawks, por John Ford, diretores cuja obra exige a força da tela grande.

Mas o senhor ainda parece fiel a esse passado, tendo participado do resgate recente de O Outro Lado do Vento, de Orson Welles, e dirigido um documentário sobre Buster Keaton, The Great Buster. O senhor não acha que os streamings podem ajudar a reviver essas lendas do passado do cinema?

Claro que podem, até porque os streamings têm muita coisa boa em sua programação. Mas eles não são cinema. É o mesmo quando me perguntam sobre as séries. “As séries são boas? São importantes?” Caramba, eu fiz A Família Soprano. Claro que elas têm coisas boas. Eu mesmo teria interesse em fazer mais uma. Mas não é cinema. Cinema é algo que depende de uma plateia. Uma plateia que se deixe comover.

Da mesma maneira como parte do público se comoveu com seu A Última Sessão de Cinema há cinco décadas?

Aquele filme mudou a minha vida porque me deu a chance de ser alguém que as pessoas queriam escutar na indústria. Nunca penso no cinema dos anos 1970, nos EUA, como sendo um movimento ou uma revolução. Foi apenas uma troca de turno, uma passagem de bastão. Eu não andava com aquela turma, pois estava preocupado em entrevistar os velhos, os diretores dos anos 1930, 1940 e 1950 que estavam vivos, mas começavam a ser esquecidos. Eu queria filmar o meu tempo fiel ao passado. Ben Johnson, por exemplo, não queria fazer o filme. Ele recebeu meu roteiro e reclamou do excesso de palavras. Ele era um ator que gostava da ação física e não de falar, não de tramas palavrosas. Precisei pedir ajuda a John Ford, que eu andava entrevistando na época. Ele procurou Ben Johnson e disse: “Você quer passar a vida toda sendo o ‘escada’ de John Wayne? Então faça o filme do garoto”. E ele fez. Eu disse a ele: “Ben, se você fizer o papel de Sam The Lion, vai ganhar o Oscar”. Não deu outra.

Qual o maior legado da geração dos anos 1970, na sua opinião?

O realismo. O cinema, com a gente, atenuou seu escapismo por um tempo. Mas a principal mudança foi estrutural. Os estúdios existiam para fabricar astros e estrelas. A gente apareceu para fabricar filmes. Antes da gente, as pessoas iam ver James Cagney, Humphrey Bogart. Conosco, a plateia ia ver Lua de Papel.

O que esperar agora de Five American Icons?

Muitas histórias que colhi ao longo de muitas entrevistas. O cinema anda em crise, mas as lendas o alimentam.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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