“O dia em que Martha Rocha morreu”

09/07/2020 09:00

Seria somente mais um domingo parecido com todos os outros últimos cento e vinte dias embaçados pela quarentena. À tardinha, porém, liguei a televisão e vi uma nota de pesar: a eterna Miss Brasil, Martha Rocha, havia perecido.

De imediato, questionei se poderia ela estar entre as mais de 64 mil vítimas que padeceram de covid-19 no Brasil.

Não. Parece que não. Ainda assim, uma certa atmosfera de melancolia tomou conta de mim. Uma tristeza meio indefinida. Dessas que dão um nó na garganta.

Custou-me, então, juntar as pontas. A morte de Martha Rocha, em meio à pandemia, ganhava, pelo menos para mim, outro significado. Explico.

Martha representava uma época em que se acreditou que o Brasil poderia ser grande, quando a profecia de Stefan Zweig, a do “país do futuro”, parecia muito palpável naqueles anos dourados da experiência democrática.

Escolhida a mais bela brasileira em 1954, ganhou ares de personalidade. Dessas que, vez por outra,  a gente agarra na tentativa de resgatar a autoestima.

Cresci ouvindo sobre o feito dessa baiana arretada que fez história no Quitandinha, nos tempos áureos desse hotel. Um marco na feição republicana de Petrópolis, minha cidade natal.

E junto com essa parte da narrativa, da memória, claro, vinha também a outra face da moeda: a da injustiça e, sobretudo, a do “por um triz”; por “apenas duas polegadas”.

Do Quitandinha, que recebera de Walt Disney a Orson Welles, Martha faria o caminho contrário. Foi à Califórnia, representar o Brasil.  Mas ficou em segundo lugar. Frustração nacional. Quase foi. Mas não deu; não daquela vez.

Era isso! O que a morte de Martha Rocha teria a ver com essa situação em que nos encontramos?

Era o “quase”!

O abatimento, que então me inundava, estava relacionado ao “quase”. Ao que quase fomos; ao que poderíamos ter sido; ao que estávamos começando a ser e, agora, vemos desmontado, destruído, desfigurado. Quase!

Martha Rocha morreu meio esquecida, num lar para idosos, praticamente sozinha, longe dos familiares. É tudo um quase; sempre, quase tudo um quase…

Entretanto, ainda recobrando o fôlego, me lembro dos versos de Vinícius, eternizados na voz sussurrante de João Gilberto, naqueles anos que a primeira miss simbolizou:

“Chega de saudade! […] Hão de ser milhões de abraços. […].”

Ou, quase!

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