O duplo desafio
As vísceras da república, com merecido “r” minúsculo, estão à mostra. As gravações do sr. Sérgio Machado, reproduzindo diálogos dos figurões dos podres poderes político-partidários, deram à população a oportunidade única de saber como são conduzidos no dia a dia os negócios públicos. Fica evidente que o balcão de negócios do congresso, também com “c” minúsculo, ganha de lavada da preservação do interesse público.
Esta janela aberta – normalmente fechadíssima – para o circo de horrores no trato do dinheiro público escancarou as más práticas republicanas envolvendo governos nos três níveis e empresas. Por outro lado, fica evidente a necessidade de uma profunda reforma político-econômica, que não pode ser feita, como antes, recorrendo-se à inflação. A conta, em sua parte mais pesada, era sempre paga pelos extratos sociais de menor poder aquisitivo, justamente os mais penalizados por esse processo pernicioso. O lado didático positivo é que a sociedade brasileira está sendo confrontada, de modo inescapável, com os limites da prepotência desastrada do governo.
O economista José Roberto Mendonça de Barros afirma que temos que responder, de modo adulto, a questões fundamentais. Que tamanho de Estado queremos? Como distribuir os recursos públicos de modo justo e eficiente, em especial em termos da fatia destinada ao investimento pelo poder público? A turbulência de curto prazo engloba, por sua vez, um processo de aprendizado para a sociedade no sentido de que os recursos públicos não são infinitos. As velhas práticas políticas estão morrendo, mas o novo método a ser adotado na defesa e preservação do interesse público ainda não se sabe muito bem qual é.
Mendonça de Barros alerta ainda para o fato de que as grandes empresas envolvidas na Lava-Jato estão mal das pernas, até mesmo sofrendo o risco de quebrarem. No debate levado ao ar no programa Painel, moderado pelo jornalista William Waack, em 19/06/16, o cientista político Carlos Mello observa que a Lava-Jato representou um duro golpe no patrimonialismo, ou seja, no uso do patrimônio público para vantagens individuais nos setores público e privado. Ao mesmo tempo, a qualidade dos parlamentares deixa muito a desejar na hora de pôr de lado as práticas fisiológicas a que estão habituados. Eles, por sua vez, sabem que não podem mais continuar a ter o mesmo tipo de comportamento, que é hoje repudiado pela opinião pública, inclusive disposta a ir às ruas para corrigir os rumos nos maus tratos à coisa pública.
O tripé Lava-Jato/sociedade vigilante/fim do presidencialismo de coalizão, este último uma aberração do sistema político, são as três grandes forças de mudança em andamento no País. E tudo leva a crer que vieram para ficar. A garantia é a independência do Ministério Público e da Polícia Federal, garantida pela constituição de 1988. Esta é a visão de Lourdes Sola, do Núcleo de Políticas Públicas da USP. Ela ressaltou ainda a fala de Temer ao dizer que não seria digno de ocupar a presidência se estivesse envolvido em falcatruas. Essa capacidade de dar a cara a tapa é diferente do que a sociedade está habituada a ouvir dos políticos em geral, ágeis em negar tudo de cara limpa.
No plano econômico, Temer conseguiu reunir uma equipe excelente. E ainda tem articulação política no congresso para aprovar as duras medidas necessárias. Livre do viés ideológico, a privatização vai andar em outro ritmo. As elogiadas estradas paulistas, já faz 20 anos, resultaram de um programa de concessões bem articulado, coisa que infelizmente não ocorreu no plano nacional, onde a roubalheira dos 13 anos de PT fez o estrago constatado em nossa infraestrutura. William Waack, no final do programa, relembrou que vamos ter que voltar aonde FHC parou. As eleições de 2016 vão ser atípicas. O que se tem claro é que a população vai dar um novo recado aos políticos. Política e economia são os dois desafios na ordem do dia e dos próximos anos.
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