O fermento dos fariseus

29/01/2023 08:00
Por Ataualpa A. p. Filho

Sei que vou navegar contra uma maré fora da minha seara. Mas sinto a necessidade de expor aqui um pensamento que pode não encontrar ecos, uma vez que não passa pelo senso comum. Já tentaram me convencer que a “história se repete”. Eu ainda não me encontro convencido desse fato. 

É atribuída a Marx a frase de que “a história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa.” A meu ver, isso pode acontecer, mas não de forma generalizada. 

Para ampliar a nossa reflexão cabe mencionar o que está escrito em Eclesiastes: 

“O que aconteceu, de novo acontecerá; o que se fez, de novo será feito: debaixo do Sol não há nenhuma novidade. Às vezes, ouvimos dizer: ‘veja: esta é uma coisa nova!’ Mas ela já existiu em outros tempos, muito antes de nós. Ninguém se lembra dos antigos, e aqueles que existem não serão lembrados pelos que virão depois deles.” (Ec.1, 9-11)

Guerra, prostituição, traição, covardia, pedofilia, mentira, falsidade, infidelidade, roubos, furtos, impunidades, injustiças, infanticídios, homicídios, fratricídios, estupros, taras, desrespeito aos direitos humanos, tiranias, corrupção, escândalos nas cortes governamentais, prevaricação, em síntese, as mazelas que hoje identificamos sempre existiram. Mas gostaríamos que não existissem mais. Contudo são “obras” humanas. Se o homem não mudou, a história também não mudou. Se o homem mudar, a história certamente mudará. Por isso que, no meu entender, não há um movimento cíclico, mas uma continuidade de ações que se adaptam às circunstâncias contemporâneas. O mal também é aprimorável.

E, nesse contexto, é importante lembrar o que disse Heráclito de Éfeso: “Nenhum homem pode banhar-se duas vezes no mesmo rio… pois na segunda vez o rio já não é o mesmo, nem tão pouco o homem!”

O homem hoje tem dificuldade de banhar-se nos rios, porque muitos estão poluídos. E quanto às sujeiras da humanidade, as águas dos rios não limpam. O mar de lama em que muitos se afogam é pela escassez da ética.   

E, para exemplificar essa conduta dos homens no decorrer da história, vale lembrar a advertência feita por Cristo: 

“Tomem cuidado com o fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Não há nada de escondido que não venha a ser revelado, e não há nada de oculto que não venha a ser conhecido. Pelo contrário, tudo o que vocês tiverem feito na escuridão, será ouvido à luz do dia; e o que vocês tiverem pronunciado em segredo, nos quartos, será proclamado sobre os telhados”. (Lc. 12, 1-3)

A hipocrisia sempre é desvelada, porque tem as suas raízes na mentira. E esta não vai muito longe, porque tropeça nas próprias pernas curtas. Essa advertência de Cristo relatada por Lucas também foi citada por Marcos:

“Prestem atenção e tomem cuidado com o fermento dos fariseus e com o fermento de Herodes.” (Mc. 8, 15)

O farisaísmo encontrou solo fértil nas redes sociais, ambiente infestado de “fake news”. A dissimulação, a mentira, as inverdades multiplicam-se de forma efervescente.  A insensibilidade social de Herodes também se propaga com as tiranias que são impostas totalitariamente. 

O que foi dito há mais de dois milênios nos serve hoje: precisamos ter cuidado com o “fermento dos fariseus”, por isso que a Verdade é motivo de libertação. A permanência no erro não é uma repetição, mas um ato contínuo, uma continuidade. “Ainda somos os mesmos/ e vivemos como nossos pais” como afirmara Belchior.

Outro ponto que temos que colocar em debate para expor contradições está relacionado à fé. Quem se apresenta como portador de fé cristã não pode ter comportamento narcisista, nem egoísta, nem segregacionista. Primeiro, porque é preciso ver o outro, segundo é preciso assumir uma conduta comunitária, terceiro, porque não há como dissociar a fé do amor, nem da esperança. 

Embora a fé não seja um produto comercial, é explorada financeiramente. Precisamos estar atentos para não sermos contaminados pelo tóxico “fermento dos fariseus” que se apresentam como cristão. O charlatanismo tem facilidade para se apropriar do discurso religioso na exploração da boa fé do povo.

 A vida ressuscita nas decepções quando se acredita na vitória do Bem. Vale relembrar o que dissera Ariano Suassuna: “O otimista é um tolo. O pessimista, um chato. Bom mesmo é ser um realista esperançoso.”

“Esperançar” tornou-se um verbo condutor da perseverança. Perseverar é possível quando a fé trona-se a força motriz para ressuscitar o humano no homem. Vamos continuar louvando o que deve ser louvado deixando o ódio de lado.

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