O impeachment e os artistas

09/04/2016 13:25

O posicionamento de artistas de renome contra o impeachment da presidente Dilma merece uma reflexão crítica. Seria ingenuidade ou desinfor-mação? Certamente uma mistura das duas, com pitadas de teorias da conspiração, um esporte nacional que nem mesmo Maquiavel ousaria praticar com tamanha desenvoltura. No caso específico, não há como deixar de dar nomes aos principais atores (literalmente) envolvidos: Chico Buarque, Caetano, Gilberto Gil e Letícia Sabatella. Recapitulemos as declarações de cada um.

Chico, alguns anos atrás, foi solicitado por um jornalista a dar uma opinião sobre uma candente questão de política econômica da época. Ele teve então o bom senso de responder que preferia não emiti-la por desconhecer o assunto. Concordei e apreciei a honestidade da posição dele. O reiterado apoio dele ao governicho Dilma tem sido sistemático. Na campanha pela reeleição, ele afirmou que havia votado nela na eleição anterior por influência do Lula, mas que, desta vez, o fazia por acreditar na dita cuja. Aqui já fica no ar  o que parece ser postura de inocente útil, coisa fácil de aceitar se estivéssemos diante de pessoa desinformada, e não do filho do renomado historiador Sérgio Buarque de Hollanda. Para piorar tudo, se deu ao trabalho de ir ao Largo da Carioca, no coração do Rio de Janeiro, em mirrado comício do PT, para  dizer, em alto e bom som, que a proposta de impeachment é golpe. Conseguiu a proeza de comparar a atual conjuntura com aquele que levou ao golpe militar de 1964 como se fossem a mesma coisa. O músico Guarabyra não se conteve: “Trata-se de uma boçalidade do mesmo tamanho de seu imenso talento”.

Caetano e Gil se celebrizaram, já faz tempo, por apoiar Roberto Carlos na estapafúrdia defesa de autorização prévia de biografados, que o STF descartou por ser óbvia interferência na liberdade de expressão. Afinal, o biografado pode processar o autor de sua biografia por difamação, se for o caso, e exigir indenização por danos morais. Pois bem, em programa recente do Serginho Groisman, na TV Globo, Caetano, com aceno concordante de cabeça de Gil, conseguiu dizer que as maciças manifestações nas ruas do País a favor do impeachment (apoio de 68% da população pela última pesquisa do DataFolha) lhe relembravam as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que levaram ao Golpe de 1964. Se você, caro leitor, estiver boquiaberto, continue assim por algum tempo. E depois se pergunte de onde saiu comparação tão sem pé nem cabeça. Sem dúvida, das cacholas de Caetano e Gil. Mas é coisa de chorar lágrimas de esguicho pelos dois por tamanha viagem na maionese. 

Por último, merece menção especial as declarações confusas de Letícia Sabatella no Palácio do Planalto, em que lé não bate com cré. Ela afirmou, diante de Dilma, que era contra o governo dela, mas que não apoiava o impeachment. Seria golpe contra quem foi legitimamente (a rigor, mentirosa-mente) eleita. Pelo jeito, não importa que seja apoiado por mais de 2/3 da população respaldado por provas contundentes de falcatruas de toda sorte que se acumulam dia a dia.  Entendeu? Nem eu.    

Esses episódios ignoram, de um lado, que o impedimento de um presidente consta da constituição de 1988, sendo, portanto, legalíssimo; de outro, o terrível vício de origem do regime presidencialista em que inexiste o instituto do voto de desconfiança no primeiro mandatário. Aquele tipo de ra-ciocínio canhestro de que se o eleitor se arrependeu depois de ter votado, terá que aguardar mais quatro anos até a próxima eleição para corrigir seu erro.

Artistas que admiramos pelo talento expõem ao público, perigosamente, a força de uma visão ideológica do pior tipo do processo político ao mandarem às favas fatos (e delitos) comprovados. Se eles dependessem financeiramente do PT, ainda que deplorável, daria para entender. É este o caso de boa parte de quem comparece às convocações do PT e assemelhados contra o impeachment. Mas eles, certamente, não precisam disso. O pior cego é o que não quer ver.

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