O inovador ‘Avatar’ volta às telas após 13 anos

20/09/2022 20:48
Por Luiz Zanin Oricchio, especial para o Estadão / Estadão

Para “esquentar” a estreia de Avatar: o Caminho das Águas, que chega aos cinemas em dezembro, Avatar, o primeiro filme da série, reestreia na quinta-feira, 22. A volta de Avatar, em versão 4K, não é apenas um aceno aos nostálgicos. Faz parte de uma estratégia de marketing. Neste caso, apoiada em bases sólidas. Quando lançado, em 2009, Avatar fez grande sucesso e não apenas de público. Boa parte da crítica considerou o blockbuster de James Cameron algo pelo menos inusitado. Um ponto fora da curva no mapa rotineiro dos arrasa-quarteirão, em geral cheios de efeitos especiais, muita ação, nenhuma reflexão, poucas nuances e muita previsibilidade.

Avatar é de outra ordem. Para começar, parte de um desejo pessoal do diretor. Ou ao menos assim reza a lenda. Cameron conta que sonhou com a história e queria transformar essa visão em filme. Era Pandora, um planeta, ou melhor, uma lua imaginária, na qual os habitantes viveriam em perfeita harmonia com a natureza.

Já em 1995 ele escreveu um roteiro, contendo já os personagens, o ambiente, a flora, a fauna e os humanoides que lá habitavam. No entanto, precisava de recursos, tanto financeiros como tecnológicos, para colocar essa ideia em prática. E ambos chegaram em 2005 com a apurada tecnologia IMAX 3D e os milhões da 20th Century Studios. Os efeitos especiais se aprimoraram no período e permitiram a experiência imersiva num mundo de fantasia habitado por um povo humanoide, uma flora bizarra e animais fantásticos e ferozes. Essa experiência era propiciada pelo 3D estereoscópico e seu inédito grau de profundidade e ilusão do real.

RENTÁVEL

Em termos de resposta do público, foi uma avalanche. Avatar tornou-se um dos filmes mais rentáveis da história do cinema, talvez o mais rentável. De acordo com o portal IMDB, custou US$ 237 milhões e teve arrecadação mundial bruta de US$ 2,8 bilhões. Sim: bilhões de dólares. Só no Brasil, levou cerca de 9,150 milhões de pessoas aos cinemas, em números do portal Filme B.

Já o desempenho no Oscar 2010 foi bem menos espetacular. Embora indicado em nove categorias, o filme venceu em apenas três, todas técnicas: fotografia, design de produção e efeitos visuais. Perdeu ou esteve ausente nas categorias chamadas “artísticas”, como melhor filme, direção, roteiro e elenco.

De acordo com o diagnóstico do Oscar, seria Avatar apenas uma façanha tecnológica, embora de grande apelo popular? Nada mais duvidoso. Revistas tradicionais de cinema e exigentes não o esnobaram. Pelo contrário. A austera Positif lhe deu as cinco estrelas da cotação máxima. E mesmo a rabugenta Cahiers du Cinéma, aferrada desde os anos 1950 ao dogma da política dos autores, concedeu três estrelas em cinco, o equivalente a “bom”. O agregador de críticas Metacritic lhe dá 83 pontos para um máximo de cem.

O enredo de Avatar é bem conhecido. Jake Sullivan (Sam Worthington), um veterano de guerra paraplégico, toma o lugar do irmão gêmeo, morto num assalto, e embarca em missão para o distante planeta Pandora. O objetivo é extrair um mineral valiosíssimo que, por infelicidade, encontra-se apenas no local ocupado pelos Na’vi, que cultuam a mãe natureza. Para livrar-se dos Na’vi, será preciso criar um ser parecido com eles e enviá-lo como infiltrado para convencê-los a mudar de lugar e abrir caminho para os humanos. Estes, diga-se de passagem, chegam ao planeta armados até os dentes. Esse ideal de violência encarna no coronel Quaritch (Stephen Lang), o vilão da história. Se não for por bem, vai por mal, porque essa é a filosofia do colonizador.

E é bem do que trata Avatar, em seu cerne. Faz um comentário contemporâneo e crítico sobre o processo colonizador e também sobre a ameaça à natureza. Filme político e também ambiental – dimensões que hoje não se colocam mais como antagônicas, como tempos atrás, mas complementares. Afinal, o destino do planeta Terra depende de atitudes políticas – tais como o abandono de combustíveis fósseis e, mais ainda, do dogma do crescimento econômico infinito. A humanidade precisa frear – e hesita em fazê-lo. Com a Amazônia pegando fogo, geleiras derretendo e o verão europeu atingindo temperaturas desérticas, Avatar parece ainda mais atual do que quando foi lançado, 12 anos atrás.

OLHAR DO TEMPO

Já na ocasião o filme era plugado em seu tempo. Além da questão ambiental, tinha como ideia subjacente a crítica a invasões norte-americanas a outros países. Avatar é um raro filme de alto orçamento que trata a guerra com franqueza, embora o ideal que o guia seja humanista. Pandora será invadida porque dispõe de um metal valioso como fonte de energia (o supercondutor fictício unobtainium), num tempo em que a capacidade de gerar energia na Terra estaria acabada devido ao desperdício e esgotamento do planeta.

As razões, portanto, são de fundo econômico. O prussiano Carl von Clausewitz (1780-1831) formulou uma sentença famosa – “A guerra é o prolongamento da política por outros meios” -, aplicável até hoje. Podemos acrescentar que a guerra é também o desdobramento da economia por outros meios. Trocando-se o metal raro por petróleo e Pandora pelo Oriente Médio, somam-se dois mais dois e se chega ao Iraque invadido pelos Estados Unidos sob o pretexto de que ele possui armas de destruição em massa, versão engolida por todo o Ocidente, mas que não se confirmou e se transformou na grande fake news daqueles anos. Ao aludir a esses fatos, na contraluz, Avatar revela-se um filme político claro, direto e até didático.

Outro ponto ousado tocado por Cameron é o da resistência armada. Sim, há a estratégia narrativa de fazer com que o infiltrado mude de lado por convicção, mas também por artes do coração – já que se enamora de uma nativa, Neytiri (Zoë Saldana). Mesmo com essa atenuante, para um filme de fantasia é bastante ousado trazer a ideia de que um país (planeta ou lua, no caso) invadido tem o direito de se defender do invasor por todos os meios ao seu alcance. Não à toa, os habitantes de Pandora recorrem a técnicas de guerrilha para combater a força imensa de um exército organizado e dotado de tecnologia bélica de ponta. Nesse aspecto, o filme ecoa a Guerra do Vietnã, perdida pelos Estados Unidos para os guerrilheiros vietcongues de Ho Chi Mihn.

POLÊMICAS

Esse direito à defesa é um ponto delicado, que vira e mexe volta ao cinema e invariavelmente desperta discussões. Mais recentemente, entre nós, foi a vez de Bacurau, de Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, que, ao tocar no tema, levantou as objeções de praxe. Como se lembra, na história de Bacurau há os ricaços estrangeiros que transformam em reserva de caça o vilarejo nordestino, cujos moradores usam, para se defender, armas de época tiradas de um museu do cangaço. A ideia de fundo é a mesma: quem é agredido tem o direito de se defender com as armas que possui. Tese repudiada pelo pacifismo unilateral, que critica a reação do invadido, mas fecha os olhos para a violência do invasor.

O que se pode esperar agora de Avatar: o Caminho das Águas? A continuação dessa linha ecológico-filosófica e também política? Ou a diluição de temas num show de tecnologia mais voltado ao escapismo e ao entretenimento? Pouco se sabe, além de que será um épico com cerca de três horas de duração (o primeiro Avatar tem 2h41).

O que se sabe é que haverá, nesse segundo módulo, uma grande quantidade de cenas rodadas debaixo d’água, o que o título já indica e pode se relacionar com a questão vital do comprometimento dos oceanos. Mas esta é apenas uma hipótese. Há pouco algumas imagens foram mostradas aos jornalistas presentes na D23 Expo. Para manter o mistério, as cenas não formavam uma sequência coerente que fornecesse pistas sobre o enredo. A revelação do segredo está prevista para 16 de dezembro, quando o filme chega aos cinemas.

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