O mito do caos eficiente
O mundo corporativo adora modismos. Sabedores da ânsia por ideias novas, os gurus de administração esmeram-se em apresentar soluções exóticas para a gestão de empresas. Muitas são interessantes e inovadoras; outras se revelam uma bobagem passageira. Atualmente, viceja por aí a ideia do “caos eficiente”. Explico.
Há uma legião de executivos e palestrantes que elegeram a Apple, o Facebook e o Google como deuses, verdadeiros ídolos do olimpo empresarial. É compreensível. Afinal, são três empresas fantásticas, inovadoras e bem-sucedidas. Muito se pode aprender com elas, sem dúvida. O equívoco está em atribuir a essas corporações o que elas não fazem e sair imitando o que elas não são.
Circula a crença de que essas empresas funcionam com alguma dose de caos e, portanto, o caos é eficiente. Entenda-se por caos a ausência de hierarquia, a liberdade no trabalho, a não cobrança de horário, o direito de experimentar as ideias mais malucas e a inexistência de processos rígidos. Em determinadas circunstâncias, o caos pode ser eficiente. Mas há muita distorção na interpretação do que isso significa.
Ao ver aqueles tipos que se vestem e se comportam de forma esquisita, alheios a qualquer regra e sem hierarquia, muitos concluem que tais empresas são assim em seu todo. Isso é falso. Há, sim, algum caos nos chamados “departamentos de criação e inovação”, que funcionam sem regras e com liberdade de experimentar as ideias mais estranhas. Mas… aquelas empresas não adotam o caos e a falta de regras nas atividades de produção, vendas, finanças, contabilidade, logística e atendimento ao cliente.
No fluxo produtivo, comercial e financeiro, as corporações de sucesso são bem organizadas, com regras e processos rigorosos. Às vezes, vigora o caos – mas apenas nas áreas onde ele é útil. Fora disso, não. A ideia do caos eficiente em sentido geral é um mito… falso. Essa onda foi estimulada pelo sucesso do livro O Ócio Criativo, de Domenico di Masi, coisa à qual Einstein já havia se referido quando disse: “Penso 99 vezes e nada descubro; deixo de pensar, mergulho em profundo silêncio, e eis que a verdade se me revela”. Einstein se referia à criação intelectual, não ao processo produtivo industrial.
Um provérbio chinês diz que “pode-se fazer tudo com uma espada, menos sentar em cima dela”. O mesmo acontece com a ideia de “algum caos”. No lugar certo, pode ser útil. No lugar errado, pode significar a falência. Quem observar uma fábrica, um restaurante, um hospital ou uma companhia aérea perceberá que no processo operacional dessas empresas imperam regras, ordem, rotinas e fluxos bem definidos. Sem isso, elas fracassariam.
Nas artes, nas atividades de criação e inovação, a ausência de regras e de rotinas faz sentido em razão da essência dessas atividades. Mas pensemos numa empresa como o Banco do Brasil. Com suas mais de 5 mil agências, o banco até pode (e deve) ter canais para a administração participativa, meios para o livre fluxo de ideias de seus funcionários e departamentos sem regras e com algum caos. Mas é óbvio que o funcionamento de cada agência e cada serviço do banco depende de normas rígidas, procedimentos rigorosos e rotinas quase militares.
Pegar uma ideia que funciona em dada circunstância e transpô-la para outra circunstância completamente diferente é, claro, um equívoco. Ainda assim, o mito do caos eficiente anda fazendo escola por aí.