O mundo perdeu a graça
Pois é. Para muita gente, antigamente era melhor. Poderíamos andar pelas ruas, expressar pensamentos, trocar ideias. Mas tudo agora ficou muito perigoso e assustador. Nos últimos 50 anos, parte da humanidade decidiu que todas as liberdades somente seriam aceitas se fossem as suas liberdades, mão única. A tal ponto que negam aos demais as liberdades que reivindicam para seus grupos. Há pouco, em São Paulo, aconteceu a Marcha dos Sem-Teto. Sempre sou simpático e favorável aos protestos de minorias em desespero e participando quando possível.
Nesta última, o baiano Caetano Veloso não obteve permissão para apresentar-se cantando por razões de segurança. Bastou para que caísse em imprecações contra a decisão da Justiça, classificada como censura.
Sempre fico boquiaberto com a desfaçatez destas pessoas e grupos: Sr. Caetano jamais lembra que junto com seu grupo foi protagonista de um dos mais vergonhosos episódios de CENSURA ao formar o movimento cognominado “Procure saber”, que tinha como bandeira a luta contra a liberdade de expressão de outrem. Proibiram qualquer publicação biográfica, mas a decisão foi, espantosamente, rejeitada pelo STF.
Outro episódio que causou estranheza pela também falta de auto crítica foi uma moção do Movimento Negro que propugnava banir da literatura infantil a inigualável figura de Monteiro Lobato por haver escrito Tia Anastácia no Sítio. Refratários aos argumentos de que aqueles eram
outros tempos, quando a consciência da estupidez do racismo sequer era cogitada, insistiram na tese até a beira do ridículo. Racismo sempre foi e será algo abjeto e inaceitável até mesmo em conjecturas. Mas foi uma era de tristes lembranças assim como foi o racismo e o preconceito
contra os ruivos desde o antigo Egito e entre os séculos XII e XVII na Europa e que no século XV virou terror com a caça e assassinatos dos mesmos. O motivo era supor-se que Judas havia sido ruivo. É de se esperar, portanto, que nenhum radical apareça eventualmente acusando a ciência médica de preconceituosa ou racista por, ao aconselhar todos os homens aos 40 anos iniciarem os preventivos de câncer de próstata, destacar que os negros, por razões genéticas, e sendo mais
vulneráveis, devem fazê-lo cinco anos antes.
Outro motivo de acabar a graça do dia-a-dia é a perda do bom humor que existia nas relações homem-mulher algumas décadas atrás. Puro e triste saudosismo. Quando rapaz, 60 anos atrás, existia o que chamávamos de paquera. Sempre fui alegre e metido a engraçado, característica que
preservo. A falta de respeito, então, era abominável e rejeitada. As meninas eram até recatadas demais em público mas achavam graça de nossas investidas maliciosas. No final do século XIX, os calcanhares das moças, quando exibidos, eram altamente eróticos. Daí usarem vestidos longos para cobrí-los. Era assim que surgiam os namoros e casamentos. Eu casei-me com uma aluna minha, mais velha 4 anos, o que hoje seria estranho. O triste de hoje é que não se pode mais brincar com uma moça pois o nome de galanteio ou elogio virou assédio criminoso.
A graça e o bom humor viraram crime. Claro que alguns idiotas os confundem. Fui casado com uma mulher, tive somente duas filhas e uma neta e reagiria a qualquer um que as desrespeitasse. Hoje moro sozinho no interior, mato mesmo, e continuo sendo um contumaz, embora inúil, paquerador junto as velhinhas da região. Ninguém honesto e correto pode concordar ou apreciar uma aproximação grosseira. É sempre repugnante.
Vivi e estudei alguns anos fora do Brasil exatamente na época em que estava começando o “Politicamente Correto”, pai de tudo. Começou chamando-se “sexual harassment” e aos poucos foi alargando seus ângulos até chegarmos hoje. Não será para meu tempo de vida, mas, fortemente, espero que estes modismos acabem, como todos, passando. Aí, então, talvez o mundo simples, sem maldades volte a ter graça. O slogan “Não é Não” aplica-se como uma boa luva às situações de
constrangimento e insistência vergonhosa dos sem caráter e amor próprio. Na intimidade de casais que se amam, muitas vezes o “Não” quer, sensualmente, dizer “Sim”. Graças a Deus! Porém, tudo junto e misturado, sinto o cheiro de que nestas posições sectárias estão sempre os “Intelectuais da USP”.
Estas linhas foram inspiradas em crônica de Helder Caldeira em 18/11/2017