O nu para retratar o dia a dia

18/10/2021 07:00
Por Ubiratan Brasil / Estadão

Quando a pandemia da covid obrigou as pessoas a se isolar, o diretor Rodrigo Alfer teve ainda mais certeza de que estava à frente do projeto certo. “Durante o auge do isolamento, predominou o medo e as pessoas não se sentiam à vontade para abraçar e beijar. Agora, com a situação melhorada, o desejo é de libertação e de celebrar a vida”, comenta ele, que comanda a montagem de Naked Boys Singing!, musical que teve estreia presencial no sábado, 16, no Teatro Sérgio Cardoso.

Trata-se de uma nova versão do espetáculo que estreou na Broadway em 1998 e, desde então, tem ficado em cartaz praticamente direto, sempre em alguma cidade do mundo. Idealizado pelo americano Robert Schrock, trata-se de uma sequência de 15 esquetes no estilo vaudeville, encenados por 11 atores (um deles também comanda o piano) que atuam praticamente nus o tempo todo. “Se antes essa forma de apresentação era encarada mais como uma provocação, agora, ainda sob uma pandemia, expor a pele tem um significado mais amplo e poético”, comenta Alfer, que finalmente consegue estrear sua montagem, depois de dois adiamentos.

De fato, o que distingue o musical de shows destinados a um público dirigido é a forma como a nudez é trabalhada. “Não é gratuita e está sempre em função de cada esquete”, explica o diretor, lembrando que as cenas reproduzem o cotidiano, como o ambiente do vestiário masculino, o culto ao corpo, a atração provocada por um olhar da janela, a ereção involuntária, a masturbação e até mesmo a cerimônia de circuncisão em uma família judia – o que exigiu um ator, digamos, adequadamente aparelhado.

Para a montagem nacional, Alfer conta que teve liberdade na encenação e também na adaptação, o que explica alguns dos momentos mais cômicos, como a veneração de um rapaz pelo comediante Mazzaropi ou a exaltação que um ator nordestino faz de sua anatomia, necessária para ter sucesso em filmes pornográficos.

O espetáculo se abre também para momentos mais sérios e delicados, como a solidão na cidade grande, a gordofobia e a incidência do vírus HIV. “Os sentimentos são apresentados em todas suas variantes”, explica o diretor, que também se inspirou na nudez para escolher um cenário limpo de artefatos, apenas com os mais necessários. “Também não há bastidores, os atores que não estão em cena ficam na lateral do palco, onde também se trocam.”

Sim, há momentos em que os atores usam alguns figurinos para facilitar o entendimento das cenas. “Mesmo assim, são vestuários sensuais, pois não escondem totalmente as partes cobertas”, diverte-se Alfer, que fez um meticuloso processo de seleção. A primeira condição, obviamente, era a facilidade para ficar inteiramente nu. “A grande maioria dos atores estava tranquila em relação a esse detalhe, mas houve alguns candidatos que confessaram seu desconforto.”

Outro fator seletivo foi o canto – Alfer conta que pretendeu montar uma espécie de coro, com vozes de timbres variados. “Eu também busquei montar um elenco distinto, com diferenciação na forma física e também na cor da pele. Gostaria também de contar com um ator trans, mas a seleção não ofereceu um candidato ideal.”

O musical conta com 15 canções diferentes, compostas por 13 autores americanos, que celebram a anatomia masculina – muitas vezes apresentada de forma desavergonhada – com humor brincalhão. Para isso, o versionista Rafael Oliveira e o diretor musical Ettore Veríssimo descobriram as palavras certas tanto para manter a rima como para exibir todos os sinônimos de pênis.

A experiência é uma novidade para o elenco, que estreia em um musical. “No começo, quando não nos conhecíamos direito, havia uma certa vergonha em ficar nu diante do outro”, diverte-se o ator Luan Carvalho. “Logo criamos uma cumplicidade que facilitou o trabalho”, completa João Hespanholeto, que divide a cena também com André Lau, Aquiles, Lucas Cordeiro, Raphael Mota, Ruan Rairo, Silvano Vieira, Victor Barreto, Tiago Prates e o pianista Gabriel Fabri.

A nudez em cena já marcou tantos espetáculos icônicos (é o caso de Hair), como fracassados (Oh! Calcutta!) – na situação atual, Naked Boys Singing! chega como uma divertida celebração à vida.

Serviço

NAKED BOYS SINGING!

TEATRO SÉRGIO CARDOSO

SALA PASCHOAL CARLOS MAGNO.

RUA RUI BARBOSA, 153.

SÁB., 19H. DOM., 20H. R$ 40.

ATÉ 19/12

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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