O patriotismo norte-americano retratado em preto e branco

11/05/2022 08:00
Por Luciana Medeiros, especial para o Estadão / Estadão

Nesta quarta, dia 11, a jornalista e fotógrafa carioca Beatriz Schiller, radicada desde 1970 em Nova York, lança na livraria Martins Fontes da Paulista seu primeiro livro solo: Beyond the Flag – Iconographies of Patriotism (Além da Bandeira – Iconografia do Patriotismo, em tradução livre). Com textos curtos em inglês, Beatriz apresenta uma seleção de 74 fotos clicadas entre 1972 e 1982, quando foi correspondente do Jornal do Brasil nos EUA.

Mas o livro não traz retratos de personalidades e artistas que entrevistou, como Marguerite Yourcenar, William Burroughs, John Cage, Elizabeth Bishop e Noam Chomsky. Também não é um apanhado das coberturas jornalísticas de eventos e da vida política e econômica do país. É, por assim dizer, um produto colateral das andanças de Beatriz pelos Estados Unidos.

“Quando deixei de ser correspondente do jornal, um dos curadores de exposições do museu da catedral St. John the Divine me convidou para expor, propondo que eu apresentasse uma síntese do meu trabalho através de um olhar sobre os Estados Unidos”, conta ela. “O americano é um povo muito diferenciado, com características muito diversas. E o traço de união que emergiu do meu acervo foi a onipresença dos símbolos nacionais como a bandeira e a águia.”

Quarenta anos depois, aquela seleção finalmente se transformou no livro. Além das imagens, todas em preto e branco, Beatriz reuniu trechos de suas entrevistas – em que ela sempre abordava o tema do patriotismo – e citações. “O extraordinário é que todo esse nacionalismo permanece imutável, é material constituinte do povo americano, uma nação que prega o globalismo e pratica o nacionalismo”.

Há flagrantes de policiais, veteranos de guerra, políticos, religiosos, operários – gente comum, em situações cotidianas, festivas, carregando as imagens patrióticas na roupa, no carro, nas casas, nas manifestações públicas. “O sentimento geral é ‘eu sou, eu pertenço, eu me orgulho'”, continua ela. “Um menino afirma que só a águia estampada no pijama o protege contra o bicho-papão (boogeyman); outra criança considera que está ‘falando com Deus’ no juramento à bandeira; outros acham tedioso e desagradável, e por aí afora.”

As imagens estão agrupadas em seis temas: educação, amor à pátria, engajamento, o símbolo, o teatro do patriotismo e o militarismo. “Existe o reforço constante de que os Estados Unidos são o number one do mundo e que o ‘mal’ vem ‘de fora'”, reforça Beatriz. “Assim, as bandeiras, águias, tios Sam, estátuas da liberdade e slogans de pátria se repetem incansavelmente, de norte a sul, de leste a oeste. É o reforço constante e inquestionável da identidade nacional. A narrativa nacionalista ‘justifica’ as sucessivas guerras empreendidas em territórios estrangeiros, como na posição dos EUA no conflito atual entre Rússia e Ucrânia. Ouvi muitas vezes afirmações como ‘não podemos perder o Afeganistão, ou o Iraque’, que explicitam o sentimento de que são donos do mundo. Isso não muda.”

BICHO-CARPINTEIRO. Beatriz nasceu, como reza o ditado popular, com o bicho-carpinteiro – a frase é uma corruptela de “com o bicho no corpo inteiro”, ou seja, uma pessoa verdadeiramente curiosa. Morou em Paris e Montevidéu, viajou pela Europa e pela África até se estabelecer em Nova York no ano da graça, e da disco music, de 1970.

A partir de 1983, concentrou-se na fotografia e seu trabalho aparece constantemente em veículos como New York Times, Time, Newsweek, Der Spiegel, The New Yorker, Opera News e Village Voice, entre muitos outros, além de ter realizado mostras em Nova York.

Também se dedicou a retratos de artistas – Margot Hemingway, Peter Sellars, Werner Herzog, Robert Wilson e Phillip Glass são alguns de seus fotografados.

E ainda registrou espetáculos, com ênfase na longa colaboração com a Metropolitan Opera de Nova York e a Dance Magazine.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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