O preço de um sonho

12/11/2023 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

Esperança e fé são indissociáveis. Tenho uma grande admiração pelas pessoas que formam o nosso anonimato. O movimento da vida em sociedade é feito pelos anônimos. Quando me sinto inserido nesse contexto, orgulho-me da invisibilidade. Tenho um grande apreço por essa concepção de povo, de gente que encara o dia a dia nos ônibus, nos trens, nos metrôs, nas filas. Uns com crachás no pescoço, outros sem, mas na luta pela sobrevivência. Essa massa é que sofre as consequências das ações de quem só prioriza uma minoria que se considera elite, por isso se sente merecedora de privilégios.

No sábado (04/11), vendo a euforia dos tricolores, vendo a empolgação de tanta gente nas ruas, achei que deveria torcer pela beleza do espetáculo do futebol para apagar as tristes imagens de vandalismo provocadas pelas brigas de torcedores na praia de Copacabana. Sou flamenguista, mas torci pela vitória do Fluminense. Só não deu para assistir ao jogo.

Na manhã do referido sábado, entrei na fila da lotérica para pagar algumas contas. Vi tantas pessoas apostando que também resolvi fazer uma “fezinha” na Mega-Sena. Fiz uma aposta simples, depois fui ver as minhas chances de ser premiado: 1 em 50.063.860, segundo os cálculos da Caixa. Contudo, durante alguns minutos, ali na fila, sonhei com o que poderia fazer, caso ganhasse…

Ninguém acertou as seis dezenas. O prêmio ficou acumulado. Eu apenas acertei uma, a 23. Não tenho o hábito de fazer apostas. Não sou movido por essa adrenalina que o “se” nutre em perspectivas futuras. Sou mais do agora, de manter os pés no hoje. Mas não nego que fui impulsionado a jogar para ver se a sorte poderia me ajudar a resolver os meus problemas e de tantas pessoas amigas que merecem sair do sufoco financeiro. Percebo que essa necessidade angustiante é que nos coloca diante de fios de esperanças que nos levam a acreditar na exceção do improvável.

Sim, admiro e respeito muito essa gente que enfrenta as adversidades, acreditando em Deus e no suor proveniente dos calos das mãos. “Eu ponho fé é na fé da moçada/ que não foge da fera e enfrenta o leão/ (…) e apesar dos pesares ainda se orgulha de ser brasileiro.” Esses versos de Gonzaguinha, que se encontram na canção “E vamos à luta”, reproduz o sentimento de mudança, uma vez que reflete o inconformismo com as estruturas de um sistema selvagem, impregnado de injustiças.

Entre os humanos, nada é para sempre. Só a morte se apresenta como a grande certeza. Diante do tempo, encontramos os nossos limites. Orgulho, ódio, vingança, preconceitos, vaidades, todas as mazelas que inflam as desigualdades, levando alguns a sentirem-se superiores, não resistem aos sete palmos debaixo da terra: “és pó e ao pó voltarás” – é o destino que implanta a sua força. Quem se considera superior tende a naufragar em decepções quando se depara com a lâmina que reduz os viventes ao nada.

A humildade ajuda na resignação e torna menos doído o corte afiado da morte. Quem pretende desafiá-la deve amar sem medidas, porque o amor é que abre os caminhos da eternidade. Para mim, amar é um ato subversivo, porque sonha com o eterno. Essa sublime subversividade alimenta a perseverança, dá coragem a quem acredita na força do Bem, na construção de um mundo melhor. O triste é que o homem ainda se ata a coisas pequenas, a bens materiais tão perecíveis quanto à própria carne.

Nem complexo de vira-lata, nem arrogância pit bull. Ficar medindo músculos, mostrando o tamanho das patas para impor-se pela força física, pelo poder das armas, depõe contra a inteligência, contra a civilidade, contra a diplomacia.

Há momentos em que o homem não difere dos outros animais, principalmente quando esquece que os vermes, “os operários das ruínas”, declaram guerra e só deixam “os cabelos na frialdade inorgânica da terra”, como descrevera Augusto dos Anjos.

O mundo está enfermo. Essa enfermidade tem as suas raízes em ações desumanas. Qualquer luta em defesa do meio ambiente perpassa pelo entendimento da natureza humana. Carl Jung afirmara: “nós precisamos entender melhor a natureza humana, porque o único perigo real que realmente existe é o próprio homem.” Dentro dessa mesma linha de raciocínio, Albert Schweitzer dissera: “Vivemos em uma época perigosa. O homem domina a natureza antes que tenha aprendido a dominar-se.”

A necessidade de “dominar-se” também reflete o pensamento de Sócrates: “antes de querer conhecer a natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer a si mesmo.”

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