O que é porfiria aguda, doença rara que causou a morte da primeira esposa do ator Vladimir Brichta?

15/maio 15:15
Por Layla Shasta / Estadão

O ator Vladimir Brichta apareceu, nesta semana, em uma campanha inédita sobre porfiria aguda, doença rara que causou a morte de sua primeira esposa em 1999. Lançada pela Associação Brasileira de Porfiria (Abrapo), a campanha busca desmistificar a doença e informar a população sobre sintomas, diagnóstico e tratamento.

O que é porfiria aguda

Segundo a Abrapo, as porfirias são um grupo de pelo menos oito doenças genéticas distintas, causadas por um defeito na produção de um composto chamado heme. O heme, entre outras coisas, compõe a hemoglobina – responsável pelo transporte de oxigênio no sangue.

Como explica Guilherme Perini, médico hematologista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, o defeito relacionado ao heme ocasiona a produção de substâncias tóxicas (chamadas de “metabólitos”) que causam uma espécie de irritação do sistema nervoso.

De acordo com o médico, na porfiria aguda o paciente vivencia crises – quem tem outros tipos da doença pode conviver com sintomas constantes e mais brandos. No caso dos ataques repentinos, a duração pode ser de horas e/ou dias e há risco de morte. De acordo com Perini, uma crise de porfiria tem de 5 a 10% de taxa de mortalidade.

Sintomas

As porfirias são classificadas em duas grandes categorias, de acordo com a forma de apresentação dos sintomas: aguda ou cutânea. Nas porfirias cutâneas, os sintomas, em geral, ficam restritos à pele, com formação de bolhas, cicatrizes, escurecimento, espessamento e aumento da quantidade de pelos.

Já na forma aguda, a dor abdominal é o primeiro e mais frequente sinal, causado por uma irritação nos nervos da barriga. Além disso, podem ocorrer náusea, vômito, constipação, dor e fraqueza muscular, alteração da coloração da urina, arritmias, confusão mental, alucinações e convulsões. A doença pode, ainda, levar à paralisia e ao coma.

“Eu tive uma crise muito grave de porfiria com 31 anos. Perdi todos os movimentos, entrei em coma e, finalmente, me recuperei, depois de algum tempo. Estou com quase 77 anos e continuo tocando a vida e me cuidado”, conta Ieda M.S. Bussmann, presidente da Abrapo.

Por apresentar sintomas comuns a muitas outras condições, a doença é de difícil diagnóstico. Perini explica que alguns sinais de alerta são a dor abdominal aguda – sem causa explicada – associada a quadros como agitação mental, alucinações, crise convulsiva e perda de força.

Para o médico, outro sintoma que merece atenção é a alteração na coloração da urina, que, no caso da porfiria, costuma apresentar um tom vermelho escuro. “Entre os pacientes que estão em uma crise muito forte, a urina se torna avermelhada. Uma cor mais para o bordô, que a gente chama de ‘cor de vinho do porto'”, descreve.

Diagnóstico

O diagnóstico é clínico – ou seja, depende da observação dos sintomas e da exclusão de outras possibilidades – e laboratorial. Em termos de exames, Perini explica que o objetivo é dosar, por meio de uma amostra de urina, a presença das substâncias tóxicas específicas associadas à doença.

“Quando a gente tem a suspeita, faz essa dosagem e, se esses metabólitos [tóxicos] aparecem aumentados, estamos diante de um caso de porfiria e o ideal é começar a tratar esse paciente”, ensina.

Perini alerta para a importância do diagnóstico precoce, a fim de prevenir o agravamento e as possíveis sequelas da doença. Caso não seja tratada ainda na fase de dor abdominal, que é o sintoma inicial, as substâncias tóxicas que estão sendo produzidas pelo organismo podem ir se acumulando no corpo, promovendo quadros muito graves. “Muitas vezes o paciente tem que ser entubado”, relata.

No vídeo da campanha de conscientização sobre porfiria, o ator Vladimir Brichta relata a dificuldade enfrentada por Gena, sua primeira esposa, para conseguir um diagnóstico. “Os médicos começam a investigar e ninguém pensa na porfiria”, conta. No vídeo, ele explica que, após diversos diagnósticos errados e um longo período de dor, a doença finalmente foi considerada como possibilidade. No entanto, já era tarde. “Em um mês ela faleceu”, lamenta Brichta.

Tratamento

Na porfiria aguda, o paciente geralmente tem uma vida normal, mas, diante de algum gatilho, surge uma crise. Por isso, uma importante medida de prevenção é evitar esses episódios.

Perini explica que o principal gatilho são alguns medicamentos, que podem interferir nos processos ligados ao heme. A lista de medicamentos é grande (acesse aqui), e envolve substâncias como antifúngicos, antibióticos, além de remédios para convulsão e hipertensão. Hormônios, como a progesterona, também fazem parte da lista.

Fora isso, ainda há tratamento eficaz para evitar as crises – vale lembrar que a doença não tem cura definitiva. Para controlar a manifestação dos sintomas, recomenda-se o uso de hematina. Essa substância química supre a necessidade de produção do heme, a substância que não é produzida adequadamente por esses pacientes.

Segundo o médico, o tratamento da porfiria aguda pode ter um impacto significativo na qualidade de vida. Por isso, ele alerta que é importante que os médicos estejam vigilantes em relação à hipótese de seus pacientes terem essa condição, visando aprimorar a investigação e iniciar a terapia precocemente.

Para Ieda, o aviso também vale para os amigos e familiares de pessoas com sintomas característicos da condição. “Geralmente, os médicos e as pessoas em geral não dão crédito aos sintomas das pessoas com porfiria”, lamenta a presidente da Abrapo. Segundo ela, isso não só causa sofrimento como atrasa o diagnóstico e o tratamento adequado.

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