O rapidinho que sai caro…

28/07/2023 08:00
Por Juliana Ziehe

Diante do convite para escrever sobre segurança pública, não poderia deixar de inaugurar esse espaço reproduzindo importante comentário do meu pai, anos atrás, quando passei no concurso público para o cargo de Delegado de Polícia: “minha filha, sua maior arma será, na verdade, a caneta”. No entanto, apenas a maturidade me fez perceber a sabedoria dessa lição, pois escrever foi o que me proporcionou desnudar assuntos ligados à segurança pública, disseminando conhecimento para melhor instruir a sociedade.

Nesse sentido, os principais objetivos desta coluna serão abordar temas ligados à segurança pública de Petrópolis, partindo sempre da premissa que segurança envolve diversos atores de forma proativa para sua concretização. O processo de segurança se inicia na escola com a valorização da educação e formação do indivíduo, perpassa pelos mecanismos de prevenção e de justiça criminal, qualificação específica dos policiais, fortalecimento dos programas de mediação, investimento no sistema carcerário e qualificação do preso voltado ao mercado de trabalho, visando sua reintegração na comunidade.

Estou convencida de que política de segurança pública não se faz apenas com Polícia. Muito pelo contrário. O engajamento entre diferentes órgãos é essencial para uma política de segurança que garanta um ambiente propício e adequado para a convivência pacífica das pessoas. Não é por outro motivo que foi criado, pela lei 13.675/18, o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP). Essas diretrizes, infelizmente, ainda pouco conhecidas, valorizam a municipalidade no controle dos fatores de violência e insegurança.

Nessa esteira, os órgãos municipais fiscalizatórios, como CPTrans, Guarda Municipal, órgãos de postura, dentre outros, desempenham uma função primordial na segurança pública. Muitos casos que desembocam nas Delegacias de Polícia Civil ou Batalhões da Polícia Militar podiam ser evitados se houvesse uma atuação eficiente desses órgãos de fiscalização. Em outras palavras, um “caso de polícia” podia ter outro desfecho se reprimido de maneira incipiente no âmbito administrativo. Muitas vezes, a prática de um crime, com a respectiva movimentação do sistema de justiça criminal, não aconteceria se os órgãos municipais tivessem agido de maneira célere e eficiente. Exemplo disso? Poderia citar vários.

A título de ilustração, imagine um estabelecimento que toque músicas altíssimas, importunando toda a vizinhança. A falta de fiscalização e, por conseguinte, de sanção administrativa, incentiva a manutenção dessa prática irregular. Instala-se um conflito que podia ser evitado há tempos caso houvesse a coibição prematura do ato. Entretanto, a inércia do órgão administrativo desemboca em uma previsível briga de vizinhos, xingamentos, e, quiçá, constitui a motivação de um crime de homicídio durante uma discussão.

Outro exemplo que me chamou atenção ao longo dessa semana diz respeito ao estacionamento irregular na cidade de Petrópolis. Nesse ponto, importante esclarecer, que a desordem urbana repercute diretamente sobre a sensação de insegurança da população. É o caso de um ambiente sujo, sem iluminação pública, com pichações, com consumo de drogas nas ruas, etc. Não poderia ser diferente com o estacionamento irregular, pois esta prática compromete o trânsito seguro de pedestres nas calçadas, passagem de carrinhos de bebês, acessibilidade de pessoas com deficiência, colocando em risco a vida das pessoas que não vêem alternativas senão passar pela rodovia. O estacionamento irregular também impõe obstáculo à passagem de ambulâncias, viaturas e transportes coletivos. Por esse motivo, políticas de segurança pública exitosas na prevenção da violência e da criminalidade também perpassam pela regularização e reforma urbana. São medidas que visam a urbanização, geração e manutenção de espaços públicos amigáveis, melhorias na rede de transportes, fiscalização de veículos, do barulho no escape de motocicletas, disciplina no trânsito, entre outros.

Entretanto, ao invés de se saudar a fiscalização do estacionamento irregular, que, diga-se de passagem, deveria ocorrer de forma contínua, curioso notar a existência de vozes que se insurgem quando o órgão de fiscalização funciona. Para algumas pessoas, o argumento de que “foi só por um minuto” ou “foi por pouco tempo” serviria como uma espécie de “salvo-conduto” para a prática de atos irregulares – mas não o suficiente para impedir a aplicação de multa e perda de pontos na carteira de habilitação. Nesse caso, vale a reflexão: no que tange a fluidez do trânsito e organização urbana, o que representa um minuto para uma ambulância transportando um paciente em estado grave de saúde? Ou para uma viatura durante uma operação policial? Ou para uma viatura do corpo de bombeiro militar em deslocamento para socorro? É ainda pior a situação das pessoas que utilizam a via pública como depósito definitivo de veículos, a exemplo de inúmeros ferros-velhos situados nos bairros de Petrópolis.  

O que se percebe é que o exercício da fiscalização, ou até mesmo do poder punitivo do Estado, apenas é saudado quando aplicado ao próximo e nunca para nós mesmos. O descumprimento reiterado das normas revela um problema cultural, infelizmente ainda arraigado na sociedade brasileira, mas que precisa ser urgentemente superado. Para tudo tem-se o famoso “jeitinho brasileiro”. Não restam dúvidas de que a advertência ou notificação são medidas salutares que trabalham com a informação da população sobre seus direitos e obrigações. Todavia, quando as leis já estão positivadas no ordenamento jurídico, como é o caso do Código de Trânsito Brasileiro, é imprescindível que todos cumpram suas obrigações, independentemente de qualquer advertência prévia do servidor público.

É evidente, portanto, que política de segurança pública não se limita às atividades reativas da polícia à prática de crimes, mas, especialmente, pela atuação inter-relacionada de diversos atores, como órgãos municipais de fiscalização e do próprio cidadão. Segurança não é apenas um direito, mas responsabilidade de todos, como previsto na Constituição Federal de 1988.

Alfim, um modelo de segurança pública compatível com o Estado Democrático de Direito é aquele que também prioriza o controle dos fatores que geram a violência e insegurança. É o que se chama de segurança cidadã, pelo qual cidadania e o espaço de convivência das pessoas, com menor nível de ameaça, passam a constituir os principais objetivos de proteção do aparato estatal.

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