O silêncio de Bolsonaro e os chatos do apocalipse
Nunca foi tão fácil ser chato no Brasil. Com os principais líderes de esquerda, centro-esquerda e centro mofando em xilindrós frios após condenações severas e/ou respondendo a inúmeros processos na justiça criminal pelos mais variados crimes contra o patrimônio e os cofres públicos, além de um portentoso rechaço verificado nas urnas de 2018, restou aos portadores de tais bandeiras ideológicas a missão da chatice.
A nova missão desses agrupamentos partidários restou facilitada. Não raro adaptados, ardorosamente, de corpo e alma, a cumprir sem questionar os mandamentos de seus líderes, esses grupos têm como mérito a imensa capacidade de organização e são capazes de transformar, em questão de horas, o peido da vaca no maior buraco da camada de ozônio. Basta uma piscadela e eles arrumam um juiz togado disposto a dar uma canetada ao apagar das luzes mandando abrir a porta da cadeia.
Nesse sentido, a assessoria do presidente-eleito Jair Bolsonaro e de sua equipe de transição ainda é absolutamente débil. É compressível que Sua Excelência pretenda estabelecer um “novo modelo” de comunicação — digamos assim, "talquei"?! — através de posts sucintos no Twitter, como já o faz o presidente norte-americano Donald Trump, mas é fundamental observar que a Casa Branca possui um dos maiores aparatos de assessoria de comunicação do planeta e até as postagens mais topetudas do mandachuva passam, antes ou depois, pelo crivo de pessoas escaladas especialmente para estabelecer a régua do bom-senso institucional, Trump gostando ou não. Sempre haverá uma resposta institucional.
Falta à equipe de Bolsonaro essa calibragem no trato com as instituições, com a imprensa e até com seus próprios eleitores, quiçá com aqueles que não o apoiam. É ótimo que sua atmosfera sisuda inspire ao resgate de pronomes de tratamento como "Vossa Excelência" ao mesmo tempo que mescle um despojamento, surgindo humanizado, pendurando roupas no varal de casa durante o feriadão de Natal. No entanto, todas essas informações precisam ser tratadas, melhor organizadas. Não para construir narrativas falaciosas, como nos tempos do PT ocupando os palácios. Mas, para institucionalizar a imagem do Presidente da República e estabelecer com clareza meridiana a fronteira entre o que é público e o que é privado, como determinam nossos diplomas legais.
Vem dessa miscelânea de vozes, donde é impossível distinguir a autoridade da faixa verde e amarela e a capacidade de sustentação do varal de roupas, o flanco mais exposto a ataques no novo governo. Faltando alguns dias para a posse oficial, permite-se o império dos chatos de galocha, doutos sabedores de tudo e mais um pouco, e suas teorias de um apocalipse rocambolesco de um Brasil bolsonarista.
Miriam Leitão garante que “a nova diplomacia é ruim” (O Globo, 23/12/2018); Jânio de Freitas escreve sobre as “muitas incógnitas do plano e de Paulo Guedes e os já iniciados problemas de comércio exterior decorrentes de política externa” (Folha de S.Paulo, 23/12/2018); Ricardo Noblat apresenta “as trapalhadas na transição” (Veja, 18/12/2018); Bruno Boghossian acertou em cheio Ricardo Vélez-Rodriguez, indicado para Ministério da Educação, ao publicar que “batalha ideológica de Bolsonaro cria vácuo em políticas públicas” e que “equipe atende mais a um conjunto de expectativas simbólicas do que a lógica do mundo real” (Folha de S.Paulo, 04/12/2018); isso sem falar nas centenas de matérias sobre o famigerado Queiroz, escândalo revelado pelo jornal O Estado de S.Paulo e que mereceu do cientista político Sérgio Praça, sob a caneta do jornalista Bernardo Mello Franco, uma memória do “Fiat Elba do esquema PC” no governo Collor em 1991 (O Globo, 09/12/2018). Todas sem respostas!
Tudo isso poderia ser evitado com medidas institucionais razoavelmente simples. Permitir, por exemplo, que o ex-assessor Fabrício Queiroz fuja dos depoimentos que deve prestar ao Ministério Público é, certamente, o pior caminho público e jurídico. Deixar todos esses jornalistas e suas publicações sem respostas institucionalizadas não é apenas uma brutalidade atroz. É um mau hábito.