O vendedor de cata-vento
Quem, na infância, não se encantou com um cata-vento colorido?…
Em manhãs de sol, de céu azul, sem nuvens, em 7 de setembro, o meu pai levava os filhos para assistir aos desfiles em comemoração ao dia da Independência do Brasil na Praça da Liberdade em Teresina. Era sempre um dia muito esperado por nós, não só pelo passeio, mas também pelo pastel de carne com o guaraná Tufy no Bar do Sant’Ana…
Imagens saltam da lembrança para encher um passado de saudades… São inesquecíveis os desejos que nutrem a nossa infância…
Sim, guardo com muito carinho o ontem que me mantém seguro no hoje sem temer o futuro. Desejar o novo não exclui as nossas aspirações atadas à felicidade. Não há ninguém que não queira ser feliz. É claro que essa concepção de felicidade se torna relativa em virtude das peculiaridades que formam a nossa individualidade. Mas há momentos em que só reconhecemos a importância deles quando o tempo exerce a sua função de mudar o ciclo de nossas vidas. E, com essas mudanças, descobrimos que a singeleza eterniza os instantes vividos na infância, pois o simples cria raízes desprovidas de arrogância.
Criança não tem medo de escuro. O que ela não quer é perder a luz. Ninguém enxerga sem luz. Iluminados são aqueles que ainda carregam, nos olhos, o brilho de uma alma terna. É fácil captar a sinceridade que vem pelo olhar. Quem vive distante dela sente-se inseguro, por isso não gosta de ser visto pelos olhos.
É imensurável a velocidade com que as nossas retinas nos levam ao passado. É o polo positivo que carrega energia…
Lágrimas caíram dos olhos de uma senhora quando se deparou com um vendedor de cata-vento:
– Moço, quanto é o cata-vento? – O moço disse o preço…
– Quero dois? – Com os cata-ventos nas mãos, não conteve a emoção…
O moço não reteve a curiosidade:
– Por que a senhora está tão emocionada?
– Me lembrei da minha infância… Há anos que não via um cata-vento assim… Pensei até que não existisse mais… Quando criança, adorava brincar com isso…
A senhora era uma turista que passeava pela Rua Teresa em Petrópolis. O moço; um amigo. Quando me contou esse fato, pedi permissão para narrá-lo em crônica. Ele autorizou…
Sim, tenho um amigo que confecciona cata-vento de oito pontas artesanalmente há cinquenta anos. Pagou um salário mínimo a um primo para que o ensinasse tão bela arte.
Nos dias também úteis, sábado e domingo, ele sai de casa a pé seguindo o fluxo dos carros em direção à Praça da Liberdade em Petrópolis. Ora um, ora outro, sempre alguém, movido pela insistência de uma criança que se encanta com o giro das cores no vento, ou por impulso nostálgico, para-o. Mesmo os que não compram admiram o giro das hélices ao sabor dos ventos.
Ele se sente vitorioso quando uma criança larga um brinquedo eletrônico para se divertir com os cata-ventos que confecciona. A simplicidade também tem as suas conquistas…
Pois bem! Nesse 7 de setembro que passou, indo em direção ao Museu Imperial, eu o vi vendendo cata-vento na praça Dom Pedro II.
Trabalhamos na mesma escola. É leitor assíduo do que escrevo, conversamos sobre os mais diversos assuntos, já nos encontramos inúmeras vezes nos domingos de sol pela cidade. Mas, na tarde do citado dia, o cenário era outro, o clima político não abria espaço para a singeleza infantil. A praça era palco de um comício. Em torno dos cata-ventos, não havia crianças.
Entre panfletos, galhardetes, bandeirolas, discursos inflamados, protestos, havia alguém que atendia às aspirações, à ludicidade das crianças que não estavam na praça. Ele não estava só. Havia uma multidão em sua volta. Mas os ventos eram outros…
Naquele contexto, a presença dele sentado silenciosamente no banco da praça com os cata-ventos, que move o interior das crianças, girando com as cores verde e amarela me fez pensar: se a Pátria é a “mãe gentil”; como mãe, deseja ver os filhos unidos e bem acolhidos em casa. Nenhuma mãe se sente feliz vendo os filhos digladiando. A briga entre os filhos da mesma Pátria é algo que não condiz com o clima de família. O diálogo harmonioso é o caminho para que haja paz entre os homens…
Para os que falam em nome de Deus, é sempre bom lembrar a seguinte passagem do Evangelho de São Mateus: “Jesus chamou uma criança, colocou-a no meio deles, e disse: ‘Eu vos garanto que se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus. Quem se fizer pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus.’” (Mt 18, 2-4)
Já agradeci ao amigo vendedor de cata-vento a oportunidade de sonhar com a Pátria livre…