Obra de Virginia Woolf inspira monólogo sobre a dor da criação

08/07/2022 08:00
Por Ubiratan Brasil / Estadão

A escritora inglesa Virginia Woolf finalmente encontrou a paz para seu espírito inquieto no dia 28 de março de 1941, quando carregou os bolsos de pedras e se afogou no Rio Ouse, em uma região entre East Sussex e Kent, na Inglaterra, local da casa de campo na qual morou com Leonard, seu marido. É justamente esse momento crucial vivido pela artista, cuja obra alterou as bases estruturais da prosa romanesca de sua época, que inspirou a atriz Claudia Abreu a escrever e interpretar Virginia, monólogo que estreia neste sábado, 9, no Sesc 24 de Maio.

“Era uma mulher vibrante, com muitas conquistas e uma obra magnífica, que foi construída em meio a tanto desequilíbrio mental, tragédias pessoais e problemas na vida”, conta Claudia, que primeiro se aproximou de Virginia Woolf quando atuou em Orlando, montagem assinada por Bia Lessa, em 1989. Ela estava com 18 anos e não foi ali que se sentiu tão tocada pela obra da inglesa, o que só aconteceu em 2016, quando recebeu a indicação de uma professora de literatura.

ENCANTO

Foi um alumbramento. “Comecei a ler e reler os principais livros de Virginia, clássicos como Mrs Dalloway, Ao Farol e As Ondas. Também pesquisei seus diários, sua biografia, o que me permitiu conhecer melhor a alternância de fluxos de consciência, que marcou sua vida e sua literatura”, conta a atriz. A escolha pelo monólogo foi justamente para “dar corpo” às vozes reais ou fictícias, que sempre estiveram presentes em sua mente.

Os primeiros rascunhos da obra surgiram no final de 2019, quando Claudia estava envolvida em outro espetáculo pilotado por Bia Lessa, Pi – Panorâmica Insana, peça que traduzia insatisfações atuais. “Era um trabalho muito absorvente, mas eu buscava um projeto pessoal – foi quando pensei em Virginia.” A escrita a aproximou ainda mais daquela artista desafiadora. “Sou uma pessoa alegre, mas me envolvi na grande melancolia que marca sua filosofia existencialista. Eu me apaixonei pela pessoa e pela forma como ela pensava a vida.”

Assim, a peça focaliza aquele momento fatídico, que marca o final da vida. Em cena, um turbilhão de vozes povoam o pensamento de Virginia Woolf, o que Claudia traduz com destreza em sua atuação. “Em uma fala, ouvimos sua voz para, em seguida, seu irmão assumir o discurso. Um pouco mais adiante, é algum de seus personagens que toma a palavra.” Ou seja, não há o recurso fácil de mostrar explicitamente ao espectador que houve mudança de narrador: tudo está nos detalhes de sua atuação.

Com a experiência de quem já assinou um texto de ficção (escreveu o roteiro da série infantojuvenil Valentins ao lado de Flávia Lins e Silva, entre 2017 e 2018), Claudia, que teve aulas de literatura, optou pelo monólogo para melhor apresentar o fluxo de consciência. “Foi uma opção natural no processo, pois todas as vozes estão dentro dela. Eu nunca quis estar sozinha, sempre gostei do jogo cênico com outros colegas, mas a personagem me impeliu a isso”, analisa ela, que fez uma série de improvisações, especialmente no período da pandemia.

Nessa época, já disposta a montar a peça, Claudia trocou opiniões com o diretor Amir Haddad, com quem travou diversas conversas via Zoom. “Ele incentiva o ator a ser o autor de sua escrita cênica, isso foi fundamental em todo o processo. O ator é um ser da oralidade, a maior parte do texto foi escrita a partir do que eu improvisava de maneira espontânea e depois organizava como dramaturgia”, comenta a atriz, que também contou com a colaboração de Malu Valle, e chegou à etapa final do processo quando Amir se recuperava da covid.

VIDA

O tema era fascinante – à medida que amadureceu como romancista, Virginia Woolf passou a apreciar a fugidia imponderabilidade da vida. Em seus diário e romances, era precisa na descrição de lugares, além de revelar disposição para julgar os outros. A obra é também o testemunho de alguém determinado em escrever não apenas com os olhos, mas com a mente, e descobrir a verdade encoberta pela aparência.

“Virginia descreve a condição da mulher e, ao falar dela, trato de temas atuais, justamente o combustível para me convencer a ir ao teatro e encenar a peça”, conta Claudia, cujo texto encantou Simone Paulino, da Editora Nós, a tal ponto que o monólogo foi impresso em tempo recorde como livro para ser vendido durante a temporada no Sesc. “Não é um recorte literário, mas do ser humano”, comenta Claudia.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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