‘Oeste Outra Vez’, machos tristes e violentos num mundo sem mulheres

15/ago 07:02
Por Luiz Zanin Oricchio, especial para o Estadão / Estadão

Pintou o campeão, disseram os afobados depois da projeção de Oeste Outra Vez, filme goiano de Erico Rassi, apresentado na segunda-feira, 12, no Festival de Gramado. De fato, é muito bom, talvez o melhor dos concorrentes vistos até agora. Daí a dizer que vai ganhar são outros 500 reais. O festival não chegou nem à metade e muita água ainda há de rolar. Ademais, quem frequenta festivais sabe que não basta ser o melhor para vencer. É preciso atender a outros requisitos do momento, com os quais qualidades estéticas têm pouco a ver.

De qualquer forma, vença ou não, Oeste Outra Vez causou ótima impressão, no público e na crítica. Despojado, seco como deserto, ambienta-se no cerrado goiano, onde homens brutos matam-se uns aos outros, não por valentia, mas por pura fragilidade. Esta é a novidade. Vinganças, machismo, recurso às armas são vistos (sem retórica verbal) como expressões de fraqueza e não de coragem. Parece uma obra muito local, mas, ao adotar esse ponto de vista, fala para uma parcela grande da população que se acredita muito valente quando espezinha mulheres e tem um parabelo nas mãos.

Neste faroeste caboclo, o rastro feminino vem numa única sequência, quando a mulher vira as costas e vai para casa, enquanto dois homens – Angelo Antonio e Babu Santana – se engalfinham numa briga. Ela (Tuanny Araújo) era mulher do primeiro e o abandonou pelo segundo.

O personagem de Ângelo Antônio, Totó, leva uma surra. Contrata um matador (Rudger Rogério) para dar cabo do rival. O homem falha. Os dois, contratado e contratante, fogem. Babu, então, contrata dois assassinos de aluguel para perseguir a dupla – Daniel Porpino e Adanilo. Tem início uma perseguição implacável, que lembra às vezes o conto Duelo, de Sagarana, de Guimarães Rosa. Na conversa após a sessão, Rassi disse ter lido três vezes a obra-prima para inspirar-se. Rosa é Rosa, entre outras coisas porque libera a imaginação ao retratar um sertão nada realista mas metafísico – para além do real.

COMO BECKETT

As falas dos personagens são sumárias, secas, sovinas mesmo. No debate, alguém falou em Beckett, na incapacidade de comunicação. Pelo que existe entre as palavras, deve-se adivinhar o sentido, o que pensam esses homens solitários, amargurados e autocentrados.

O tempo todo lateja essa ideia de que se trata de um mundo triste, sem mulheres. Ou com mulheres invisibilizadas, tratadas como propriedades que se deve defender, como quem defende um sítio com cerca de arame farpado. Pela sua ausência, as mulheres estão presentes, na saudade não confessada que sentem delas.

A morte e a violência vicejam por todo lado, num mundo ocupado por brutos tristes, que precisam dançar entre si numa patética comemoração num boteco caindo aos pedaços, ao som de música brega. É de morrer de tristeza. E, no entanto, o filme é uma epifania. E se, entre tantas qualidades estéticas (fotografia e montagem primorosas), não é sobretudo uma denúncia radical do machismo, eu não sei o que possa ser. Bom demais.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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