Os desafios para as ‘salas seguras’ de cinema

19/04/2021 07:30
Por Luiz Carlos Merten – Especial para o jornal O Estado de S. Paulo / Estadão

Diretor do cine Petra Belas Artes, André Sturm queixa-se do que parece perseguição. “Os cinemas foram demonizados como locais de contaminação da covid. Enquanto estivemos abertos, seguimos todos os protocolos de segurança. Pelo que sei, não tivemos nenhum caso que pudesse ser atribuído à frequência às nossas salas”, afirma. “Se não fosse a Petra, que manteve o patrocínio, não sei o que seria do Belas Artes.”

A situação pode desafogar a partir de sábado, 24, quando as salas estão autorizadas a reabrir, com até 25% de ocupação e das 11h às 19h.

A pandemia chegou mais perto de Adhemar Oliveira, que dirige a cadeia formada pelo Arteplex e Espaço Itaú. Ele testou positivo, mas ficou assintomático. Sua mulher, a programadora cultural Patricia Durães, precisou ser hospitalizada durante dez dias. As salas de Adhemar, que obedecem a estritas normas de segurança, estão fechadas. Ele também se queixa: “Veja o que ocorreu na Inglaterra, em Nova York. Eles fecharam radicalmente – aqui, o lockdown segue o efeito sanfona: abre e fecha.”

Jean-Thomas Bernardini, presidente da distribuidora Imovision e das salas da Reserva Cultural, concorda. “Estamos fechados, não apenas aqui, mas também em Niterói, no Estado do Rio.”

E acrescenta: “São empresas distintas, a Imovision e a Reserva. Operam com a distribuição e a exibição. Sempre tivemos um público de cinéfilos e foi atendendo a esse público que incrementamos os lançamentos em DVD. Não misturo as coisas, mas eles ajudaram bastante a equilibrar as contas.”

Em tempos de pandemia, Sturm comemora um ano de streaming – o Belas Artes à La Carte já formou seu público, com uma carteira de filmes clássicos e novos que tem mantido o público fiel.

A Reserva lança sua plataforma nesta semana. “Nesses tempos de pandemia, um serviço de streaming não é exatamente uma novidade, mas, para mim, é a concretização de um sonho.”

Há 32 anos operando no mercado de cinema brasileiro como distribuidor, exibidor e até coprodutor, Jean-Thomas formou uma carteira considerável. Só de inéditos que a distribuidora tem para lançar o número chega a 39. “A plataforma quase saiu em 2017, mas aí, no meio do processo, começamos a pensar se seria viável.”

No fim de 2019, estava tudo certo e a Reserva Imovision já estava saindo do papel quando estourou a pandemia. “Agora é o nosso momento. Estou me sentindo como um atleta pronto para participar da Olimpíada.”

Adhemar vai no que parece a contracorrente. Seu streaming também está no horizonte, mas ele não tem pressa. Não tem visto muita coisa. Tem lido, pesquisado. “Busco informações em toda parte para descobrir como o País superou a espanhola e retomou à normalidade.”

Refere-se à gripe que causou centenas de milhares de mortes no começo do século passado. Há cem anos! Naquele tempo, os cinemas não estavam organizados como hoje. Os filmes eram espetáculos e ele quer saber como foi a volta. “Que lições podemos aprender com a experiência daquele tempo?” Adhemar não tem dúvida de que o streaming veio para ficar, mas pensa numa convivência, ou coexistência. “Não acredito que o público vá desistir completamente dos cinemas.”

Sonha com a volta, mas gostaria que fosse planejada. “Tenho protocolos, e não apenas os sanitários, que preciso cumprir. É difícil honrar compromissos com shoppings e distribuidores se cada lugar opera de um jeito. São Paulo abre, o Rio fecha, e vice-versa. Tenho de pensar nacionalmente.”

Desde o nome, a Reserva Imovision incorpora o espírito de programação do Reserva com a seleção de títulos que só a Imovision tem. Inicialmente serão mais de 250 títulos do catálogo da distribuidora, somados a séries – “o público exige” – e novas aquisições. Toda semana, a plataforma estará estreando novos conteúdos em duas modalidades – assinatura, que disponibilizará todo o catálogo, e aluguel, com títulos específicos. A previsão é chegar a mil filmes até o fim do ano. Jean-Thomas não nega: “Sou otimista.”

Sua carteira privilegia a produção europeia – predominantemente francesa – e o cinema independente norte-americano.

No Belas, a seleção é especial. Na semana passada, houve um superlançamento, Meu Pai, de Florian Zeller, indicado em seis categorias ao Oscar, e obras que estão sendo resgatadas. Um policial de Jacques Déray com o astro Alain Delon (O Manipulador de Paixões), um drama romântico de Jon Amiel (Sommersby – O Retorno de Um Estranho), com Richard Gere e Jodie Foster, remake de um sucesso francês (Le Retour de Martin Guerre), e um documentário do grande autor argentino Fernando Solanas (O Legado Estratégico de Juan Perón).

Sturm é cauteloso quanto ao retorno dos cinemas, num novo normal. “A gente lutou muito, e com apoio da população, para reabrir e manter abertas essas salas. Formamos gerações de espectadores, não creio que esse público vá desistir. O que precisamos é de confiança, que só a vacinação em massa poderá dar. Pretendo voltar só quando a maior parte da população estiver imunizada.”

Jean-Thomas avaliou da seguinte maneira: “A relação dos cinéfilos com as salas é um ato de amor. Enquanto existirem cinéfilos, existirão as salas, mas sempre com segurança. Muita coisa poderá ou terá de mudar. Nossa programação é feita com carinho. Nossos autores merecem muito mais do que isso.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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