Os dilemas de uma psicanalista inspiram a peça ‘Sra. Klein’

30/06/2023 07:01
Por Dirceu Alves Jr., especial para o Estadão / Estadão

Quem vê a montagem de Sra. Klein, peça do inglês Nicholas Wright que o argentino Victor Garcia Peralta apresenta no Teatro do Sesc 24 de Maio, pode confrontá-la com outras duas anteriores – uma delas do próprio Peralta em Buenos Aires, em 1990, e outra de Eduardo Tolentino de Araujo no Brasil, em 2003. A primeira delas, La Señora Klein, é uma concepção realista que foi agora abandonada pelo diretor na sua nova versão paulistana.

A segunda versão, Melanie Klein, comandada por Tolentino de Araujo e protagonizada por Nathalia Timberg em 2003, encantou a atriz Ana Beatriz Nogueira, que planejou abraçar o desafio assim que o futuro lhe desse maturidade para compreender melhor a controversa psicanalista austríaca.

Diante de tantas referências, Peralta recorreu a uma das falas da peça para conceber o novo espetáculo. “O psicanalista tem de ter uma tela vazia em que o paciente projeta suas neuroses”, afirma, em certo momento, Melanie Klein (1882-1960), psicoterapeuta pós-freudiana que, entre suas teorias, pregou métodos de tratamento para crianças que poderiam ser usados desde o nascimento.

NO PALCO

A tela vazia, idealizada pelo diretor, é o fundo neutro do teatro, mas, no palco, aparecem 18 cadeiras, acomodadas em duas fileiras de nove, que vão sendo movidas por Ana Beatriz e as atrizes Natália Lage e Kika Kalache ao longo da montagem. “É um espaço que vai se desordenando, assim como Klein no decorrer da peça, e, aos poucos, o chão fica poluído com copos, xícaras, bolsas e papéis”, justifica Peralta.

Melanie Klein, claro, é uma personagem real, mas a ação da peça de Wright imagina um dia na primavera londrina de 1934, o do funeral de Hans, filho dela que acaba de morrer em um acidente capaz de deixar suspeitas de suicídio.

Melitta (interpretada por Natália Lage) seguiu o caminho profissional da mãe e, como psicanalista, questiona seus métodos, inclusive a acusando de tê-la usado, e também seu irmão, como cobaias na infância. A morte de Hans detona o conflito entre as duas, abrindo espaço para um doloroso ajuste de contas.

OUTRO LADO. Um outro olhar sobre Klein é o de Paula (vivida por Kika Kalache), que também é psicanalista e funciona como mediadora entre a mestra que tanto admira e a amiga Melitta.

Nas duas décadas que separam a noite em que viu Nathalia Timberg como Melanie Klein e a de sua estreia no papel, Ana Beatriz confessa que leu e pesquisou tanto sobre a psicanalista que, nos dois meses de ensaio, se sentiu muda. Precisou eliminar o excesso de informações para compor a personagem e confessa que, pouco antes de subir ao palco, ainda não sabia se a tinha encontrado.

CENA A CENA

“Vou fazer cena a cena, apresentação a apresentação, e tenho certeza de que vou construir Klein ao longo da temporada porque a de uma sessão nunca vai ser igual à da outra”, assume.

Peralta pondera, brincando, que a intérprete faz charme com essa insegurança e imagina que ela só saberá que tem a personagem nas mãos quando receber o retorno do público. “Klein era feita de momentos, uma montanha-russa de sentimentos. Então, se Ana Beatriz investiu na intuição, pode ter certeza de que ela emprega muita técnica nesse caminho”, declara o diretor.

Ana Beatriz confessa que a descoberta paulatina de Melanie Klein tem a ver com uma ansiedade profunda que sempre a dominou e que, nos últimos tempos, precisou ignorar. Primeiramente, foi o baque da pandemia. Depois, em outubro de 2021, a artista perdeu o pai, o advogado Hamilton Nogueira, aos 88 anos, por causa de complicações de uma pneumonia.

Três meses depois, ela recebeu o diagnóstico de um câncer no pulmão em estágio inicial que, aliviado o choque, a impulsionou com mais intensidade. “Tive a bênção de não precisar fazer quimioterapia ou radioterapia e operei logo em seguida”, conta ela, aos 56 anos. O retorno ao trabalho se deu para entrar na gravação dos capítulos iniciais da novela Todas as Flores, do Globoplay, pouco mais de dois meses da cirurgia. “Estava lá com 12 quilos a mais por causa da cortisona, mas certa de que o trabalho me fez andar mais rápido na recuperação.”

Sra. Klein

Teatro do Sesc 24 de Maio

Rua 24 de Maio, 109, República.

5ª a sáb., 20h,

Dom., 18h.

R$ 40. Até 23/7

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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