Os povos tradicionais no Brasil

20/11/2022 08:00
Por Ataualpa Filho

Com uma certa frequência, ouvimos a seguinte frase: “o magistério é um sacerdócio”. Sempre tive dificuldade para assimilar o sentido dessa frase, principalmente quando estava no início do exercício da docência. Hoje os meus questionamentos são menores, porém, acho que o sacerdócio tem mais de magistério do que o magistério de sacerdócio. O “dar aula” tem um preço que não se limita à questão financeira. Há um capital abstrato que vai além da relação institucional que ocorre nos estabelecimentos de ensino. 

A amplitude do viver suplanta a transmissão de conhecimento científico. As adversidades provenientes do comportamento humano são movidas por várias vertentes que perpassam tanto pela Ciência como pela Religião. Querer sistematizar as ações humanas pela doutrinação, ou seja, querer moldar uma sociedade pela imposição de uma ideologia sem levar em consideração o respeito às individualidades consiste em uma atitude fadada ao insucesso, uma vez que o ser humano é imprevisível…

Entrar em sala de aula é um desafio. Penso no que faço todos os dias. Tento errar menos. Tenho consciência da responsabilidade da licenciatura que a sociedade me concedeu para trabalhar com a Língua Portuguesa e com a arte que a tem como instrumento.

Nessa semana que antecedeu a prova do Exame Nacional do Ensino Médio, o Enem, na parte da produção textual, coloquei como proposta de uma dissertação argumentativa o seguinte tema: “O combate à depressão na sociedade brasileira”. 

Em 2020, o tema foi “O estigma associado às doenças mentais na sociedade brasileira”. Seguindo nessa linha, tendo em vista os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) que apontam o Brasil como o primeiro na América Latina em casos de depressão, quis colocar em evidência esse problema que também atinge jovens que sofrem bullying. São 11,5 milhões de pessoas afetadas por essa doença que se agravou no período pandêmico. Vários profissionais recorreram às licenças médicas, afastando-se do trabalho em busca de tratamento clínico. Em síntese, a economia já sente os efeitos do aumento dos casos depressivos, uma vez que vários trabalhadores passam a ter uma baixa produtividade, precisam se distanciar de suas funções por causa da doença.

O texto dissertativo argumentativo deve ser tratado de forma técnica, impessoal, porém li relatos que comprovam as estatísticas do crescimento e das graves consequências provenientes de crises depressivas. Fato este que me levou a pensar que esse assunto deve ser tratado com urgência e com seriedade pelas autoridades ligadas à saúde pública.

O tema da redação deste ano de 2022 colocou em pauta os “desafios para a valorização de comunidades e povos tradicionais no Brasil”. Em 2021, o tema foi: “Invisibilidade e registro civil: garantia de acesso à cidadania no Brasil”. 

Realmente  “o Brasil precisa conhecer o Brasil”. Machado de Assis já apontava para a existência de dois brasis: “não é desprezo pelo que é nosso, não é desdém pelo meu país. O país real, esse é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco”.

A palavra “desafios” presente no tema proposto já revela a invisibilidade e a omissão dos gestores públicos diante das necessidades de uma parte da população que não desfruta dos serviços que devem ser prestados a todos os cidadãos que residem no território nacional. Na coletânea dos textos motivadores foram mencionados os indígenas, os quilombolas, pescadores, povos de terreiro, ciganos, extrativistas, ribeirinhos. 

É preciso olhar para as comunidades que vivem distantes dos centros urbanos, porém próximas da natureza, ou seja, dependem dos recursos naturais para sobreviver, por isso sofrem com o desequilíbrio do ecossistema. Preservam heroicamente as suas tradições, mantendo uma identidade cultural que precisa ser respeitada e valorizada. Com o título “Arraial e Favela”, escreveu Ariano Suassuna:

“A visão política é indissoluvelmente ligada à religiosa e à literária; assim, para meu trabalho de escritor, foi importantíssimo descobrir, pela “favela”, a ligação entre os dois emblemas do Brasil verdadeiro: o emblema urbano e o rural; a “favela” da cidade e o “arraial” do sertão”.

Saúde, educação, saneamento básico, água potável são direitos constitucionais, não são mordomias exigidas por quem vive nas regiões periféricas do país. Precisamos também aprender as lições que os povos tradicionais imprimem na luta pela preservação das raízes desta Nação chamada Brasil.

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