País bate novo recorde de mortes; SP tem registro de 88 óbitos na fila por leito

17/03/2021 13:00
Por Priscila Mengue, João Ker e Marco Antônio Carvalho, com colaboração de José Maria Tomazela / Estadão

O Brasil registrou nesta terça-feira, 16, 2.798 mortes pelo novo coronavírus, recorde no balanço diário – 116 óbitos por hora. O Estado de São Paulo teve 679 vítimas, número mais alto da pandemia, e sofre com lotação de 89,9% nas UTIs. Ao menos 24 municípios paulistas reportaram 88 óbitos na fila de espera de leitos este mês.

Governadores e prefeitos endurecem restrições e adotam até lockdown para frear o vírus. Nove Estados (SP, RS, SC, GO, MT, PB, MS, TO e AC) estão com a mais alta média semanal de óbitos. E em meio ao colapso de hospitais, o presidente Jair Bolsonaro trocou o ministro da Saúde.

As mortes na fila por leitos – clínicos ou de UTI – foram relatadas em municípios do interior, como Bauru (15), e na região metropolitana, como Taboão da Serra (14), Ribeirão Pires (8) e Franco da Rocha (8). Em Urânia, de 9 mil habitantes, os três pacientes que morreram na fila eram da mesma família.

“Por mais que se tenha aumentado o número de leitos, é insuficiente para o de pessoas que precisam de tratamento”, diz a secretária da Saúde de Franco da Rocha, Ana Emília Gaspar. Como outros de pequeno e médio porte, o município depende de hospitais de referência regionais para pacientes graves, transferência regulada pela Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross). O governo estadual, responsável pelo sistema, diz ter reforçado a estrutura, mas vê explosão da demanda.

Com a dificuldade de transferência, a cidade tem adaptado leitos clínicos para uma estrutura “semi-intensiva”, com respirador e apoio de fisioterapeuta (para auxiliar na questão respiratória). “A partir de 1.º de março, tivemos maior dificuldade de transferir. Até então, conseguia mandar pacientes para a UTI em até 24 horas. Agora demora seis, sete dias para conseguir vaga. Hoje (ontem), são seis aguardando”, comenta.

A espera foi ainda maior em Nhandeara, onde um paciente morreu após aguardar UTI por 12 dias, segundo a gestão municipal. No norte do Estado e com 11 mil habitantes, a cidade tem só pronto-socorro, no qual dois homens internados há cerca de uma semana estão na fila de transferência. Secretário de Saúde, Rafael Benini Pereira disse ter alertado o Departamento Regional, mas a crise é geral. “Antes, era questão de horas até ter vaga”, diz ele.

Bragança Paulista, que costuma receber casos que chegam do Samu em toda a região, está com os 49 leitos de UTI ocupados. Desde fevereiro, transferiu outros 57 pacientes de coronavírus para cidades vizinhas. “Quando não (tem as transferências), tentamos manter o paciente vivo”, afirma a secretária municipal de Saúde, Marina de Fatima de Oliveira. “Era m rápidas, mas desde a semana passada estão sem condições. Parece que os hospitais que nos recebiam também colapsaram.”

Entre os óbitos, também estão pacientes que necessitavam de leito clínico. Em Diadema, Grande São Paulo, três pacientes entre 54 e 75 anos não resistiram enquanto aguardavam vaga de enfermaria, e outros dois, de 76 e 80 anos, morreram na fila por UTI. “No período em que permaneceram em hospitais municipais, as pacientes foram assistidas, recebendo acompanhamento médico, medicação e cuidados necessários”, disse a prefeitura.

Embora a maioria dos óbitos apontados no levantamento do Estadão seja de idosos, também há vítimas mais jovens. Em Taboão, homens de 46 e 52 anos estão entre os 14 que morreram na fila por UTI. Em Araçatuba, três dos quatro óbitos na espera foram de pessoas abaixo de 60 anos (de 46, 53 e 59).

Márcia Aparecida da Luz, de 38 anos, morreu no ia 2, na fila de espera de UTI, em Buri. “Ainda estamos sem resposta. É triste saber que ela poderia ter sido salva se houvesse vaga para internação”, disse a sobrinha Graciele Antunes, de 36 anos. Márcia morreu em uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) onde mais oito infectados aguardavam transferência para hospital. Ela havia sido internada no dia 28, juntamente com o marido, Djalma Antunes. O casal é dono de um conhecido restaurante na cidade.

Os dois tinham apresentado sintomas quase ao mesmo tempo. Ele foi transferido na madrugada do dia 2, por meio do Cross, para Sorocaba. “Achávamos que minha tia iria junto, mas não havia vaga para os dois. O quadro dela se agravou e ela não resistiu. Morreu no mesmo dia, à tarde”, conta a sobrinha.

A prefeitura de Buri informou que a paciente recebeu o suporte clínico possível, diante da calamidade. Acrescentou que foi feito todo o esforço para conseguir a transferência. Após Márcia, mais três morreram à espera de vaga na cidade.

Os outros casos foram nos seguintes municípios: Alumínio (1), Cabreúva (1), Caieiras (1), Capela do Alto (2), Dracena (3), Francisco Morato (2), Itajobi (1), Itapecerica da Serra (2), Itapetininga (1), Jales (3), Joanópolis (1), Ouroeste (4), Rio Grande da Serra (2), Santa Adélia (1), Sumaré (1) e Urânia (3).

Efeito dominó

Marcio Sommer Bittencourt, médico da Clínica de Epidemiologia do Hospital Universitário da USP, explica que o represamento de internações causa pressão ainda maior sobre a rede de saúde. Isso porque, quando consegue UTI, o paciente está debilitado e requer maior tempo de tratamento. Ou não resiste e morre.

“Os pacientes na fila por UTI estão recebendo assistência pior do que se estivessem na UTI. Não que os profissionais que estão lá sejam ruins, mas porque a estrutura não permite atender. Afeta o prognóstico e vai morrer muito mais gente do que se a gente prestasse assistência médica adequada.”

A terapia intensiva tem diversos recursos para melhor assistir e tratar o paciente, que, pelo estado grave, precisa de acompanhamento mais continuado. Inclui equipe maior e mais experiente nesses casos, fisioterapeutas, respiradores de melhor qualidade, controle de sinais vitais contínuo, estrutura para diálise e uso de drogas vasoativas, dentre outros pontos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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