Para onde estamos indo?

25/fev 08:00
Por Leonardo Boff

Há a convergência de inúmeras crises que estão afligindo a humanidade inteira. Sem precisar citá-las restrinjo-me a duas, extremamente perigosas e até letais: uma guerra nuclear entre as potências militaristas, disputando a hegemonia na condução do mundo. Como a segurança nunca é total, aí funcionaria a fórmula 1+1=0. Quer dizer, uma destruiria a outra e levaria junto todo o sistema-vida humana. A Terra continuaria empobrecida, cheia de chagas, mas giraria ainda ao redor do sol por não sabermos quantos milhões de anos, mas ser esse Satã da vida que é o ser humano demente que perdeu sua dimensão de sapiente.

A outra é a mudança climática crescente que não sabemos em que grau Celsius vai se estabilizar. Um fato é inegável, afirmado pelos próprios cientistas céticos: a ciência e a técnica chegaram atrasadas. Passamos o ponto crítico em que elas poderiam ainda nos ajudar. Agora apenas podem nos advertir dos eventos extremos que virão e minorar os efeitos danosos. Climatólogos sugerem que, nos muitos próximos anos, possivelmente o clima se estabeleceria, em termos globais, em torno de 38-40 graus Celsius. Em outras regiões pode chegar por volta de 50ºC. Haverá milhões de vítimas, especialmente entre crianças e idosos que não conseguirão se adaptar à situação mudada da Terra.

Estes mesmos cientistas têm advertido os Estados para o fato de milhões de migrantes que deixarão suas terras queridas pelo excesso de calor e pela frustração das safras de alimentos. Possivelmente, e é o desejável, que haja, obrigatoriamente, uma governança planetária global e plural, constituída por representantes dos povos e das classes sociais para pensar a situação da Terra mudada, não respeitando os obseletos limites entre as nações. Trata-se de salvar não este ou aquele país, mas a humanidade inteira. Realisticamente disse várias vezes o Papa Francisco: desta vez não há uma arca de Noé que salva alguns e deixa perecer os demais: “ou nos salvamos todos ou ninguém se salva”.

Como se depreende, estamos diante de uma situação limite. A consciência desta urgência é muito fraca na maioria da população, entorpecida pela propaganda capitalista de um consumo sem freios e dos próprios estados, em grande parte controlados pelas classes dominantes. Estas só olham para um horizonte à frente, crédulas de um progresso ilimitado em direção futuro, sem tomar a sério que o planeta é limitado e não aguenta e que precisamos de 1,7 planetas Terra para satisfazer seu consumo suntuoso.

Há uma saída para este acúmulo de crises, das quais nos restringimos a duas? Creio que nem o Papa nem o Dalai Lama, nenhum sábio privilegiado podem predizer qual seja o nosso futuro. Se olharmos as maldades do mundo temos que dar razão a José Saramago que dizia: “Não sou pessimista; a situação é que é péssima”. Lembro o encantador São Francisco de Assis que, encantado, via o lado luminoso da criação. Pedia, no entanto, a seus confrades: não considerem demasiadamente os males do mundo para não terem razões de reclamar de Deus. De certa maneira todos somos um pouco Jó que reclamava, pacientemente, de todos os males que o afligia. Nós também reclamamos porque não entendemos o porquê de tanta maldade e especialmente porque  Deus se cala e permite que, muitas vezes, o mal triunfe como agora face ao genocídio de crianças inocentes na Faixa de Gaza. Por que não intervém para salvar seus filhos e filhas? Não é Ele “o apaixonante amante da vida” (Sabedoria 11, 26)?

Atribui-se a Freud, que não se considerava um homem de fé, a seguinte frase: se aparecer diante de Deus, tenho mais perguntas a fazer a ele do que ele a mim, pois há tantas coisas que nunca entendi quando estava na Terra.

Nem a filosofia nem a teologia conseguiram até hoje oferecer uma resposta convincente ao problema do mal. No máximo é afirmar que Deus ao aproximar-se de nós pela encarnação – não para divinizar o ser humano – mas para humanizar Deus – foi dizer que esse Deus vai conosco para o exílio, assume a nossa dor e até o desespero na cruz. Isso é grandioso, mas não responde o porquê do mal. Por que o Deus humanado teve que sofrer também ele, “embora fosse Filho de Deus, aprendeu a obediência por meio dos sofrimentos que teve” (Hebreus,5,8). Essa proposta não faz desaparecer o mal. Ele continua como um espinho na carne.

Talvez tenhamos que nos contentar com a afirmação de São Tomás de Aquino que escreveu, reconhecidamente, um dos mais brilhantes tratados “Sobre o Mal” (De Malo). No fim ele se rende à impossibilidade da razão de dar conta do mal e conclui: “Deus é tão poderoso que pode tirar um bem do mal”. Isso é fé confiante, não razão raciociante.

O que podemos dizer com certa certeza: se a humanidade, especialmente, o sistema do capital com suas grandes corporações globalizadas continuar com sua lógica de de explorar até a exaustão os bens e serviços naturais em função de sua acumulação ilimitada, aí sim podemos dizer, na expressão de Sigmunt Bauman: “vamos engrossar o cortejo daqueles que estão rumando na direção de sua própria sepultura”.

Depois termos cometido o pior crime já perpetrado na história: o assassinato judicial do Filho de Deus, pregando-o na cruz, nada mais é impossível. Como disse J.P. Sartre após a bombas sobre Hiroshima e Nagasaki: o ser humano se apropiou da própria morte. E Arnold Toynbee, o grande historiador, comentou: não precisamos mais que Deus intervenha para pôr fim à sua criação; coube a nossa geração assistir à possibilidade de sua própria destruição.

Pessimismo? Não. Realismo. Mas, pertence também à nossa possibilidade de dar o salto da fé que se inscreve como uma possível emergência do processo cosmogênico: cremos que o verdadeiro senhor da história e de seu destino não é o ser humano, mas o Criador que das ruínas e das cinzas pode criar um homem novo e uma mulher nova, um novo céu e uma nova Terra. Lá a vida é eterna e reinará o amor, a festa, a alegria e a comunhão de todos com todos e com a Suprema Realidade. Et tunc erit finis.

**Sobre o autor: Leonardo Boff escreveu: Cuidar da Terra-proteger a vida: como escapar do fim do mundo, Record, Rio de Janeiro 2010; A nossa ressurreição na morte, Vozes, 2012.

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