Patologias sociais

27/11/2022 08:00
Por Ataualpa Filho

Sonho, não nego. Tenho consciência da distância que há entre mim e o que almejo.  Almejar é desejo de alma. Ser tachado de sonhador não me afeta, pois já sou afetado pelos sonhos. Isso neutraliza as críticas, porque o sonhado é que me serve de horizonte. Sonhos revolvem realidades, embora não as resolvam. Mudar as coisas é um processo de vivência. Se eu não tivesse sonhado tanto na mocidade, talvez não estivesse aqui utopicamente jogando gotas de suor e lágrimas neste mar de pessoas. O nada consciente é melhor do que o vazio inconsequente. Este se julga necessário, apesar da falta de essência. Mas isso é papo para outro texto.

Hoje venho te dizer que sonhei muito quando jovem. Mergulhava na Literatura em busca de sonhos. Quando o coração desenlaçou platonicamente, lia sublinhando frases que pudessem ser sussurradas no “escurinho do cinema,” ou que eu pudesse transcrevê-las em alguma carta em forma de declaração de amor. Houve um tempo em que isto era possível: namorar por cartas…

 Esse meu adolescentismo me fez atravessar realidades duras sem perder o sabor da ternura. Por isso que ainda corro atrás dela. É possível amar sem ser amargo. 

E aqui vale lembrar que até as aves têm rito de conquista. É linda a dança dos tangarás para seduzir as fêmeas! Com plumagens encantadoras, as aves do paraíso são ritualistas. As seduções, embora já predeterminadas instintivamente, são elegantes. 

No soneto “As Pombas”, o poeta Raimundo Correia, por uma analogia, descreve o belo período da mocidade: “Também dos corações onde abotoam/ os sonhos, um a um, céleres voam,/ como voam as pombas dos pombais;/ No azul da adolescência as asas soltam,/ fogem… Mas aos pombais as pombas voltam/ e eles aos corações não voltam mais.”

Hoje, olhando para o tempo passado, vejo que nem todos os sonhos voam dos corações. Alguns permanecem e tornam-se responsáveis pela inquietude das esperanças que exigem as mudanças do real.

Envolvido pelo onírico entusiasmo da juventude, peguei o livro “O Cortiço” de Aluísio Azevedo para ler. Já no meio da leitura, percebi que não havia marcado nenhuma frase que pudesse enlaçar em um beijo diante de uma tela de cinema, assistindo a um filme romântico. Eu, em sonhos dourados, estrategicamente, esperava uma contextualização bucólica para citar a infalível frase do “Pequeno Príncipe” de Antoine de Sainte-Exupére: “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”…

As ilusões podem ser açúcar dissolvido em água. A “água com açúcar” pode atuar com efeito placebo. Contudo, nenhuma desilusão amorosa justifica o feminicídio. Considero-o como crime hediondo que fere a natureza humana. Nenhum animal age de forma tão perversa quanto os homens irracionalizados por um machismo criminoso. A impunidade desses crimes é fator agravante, pois age como elemento motivador.

A partir da leitura das obras de Aluísio de Azevedo, deparei-me com o conceito de patologia social. O zoomorfismo ficou mais evidente para mim. Só que ainda acho que a natureza humana foi feita para amar e ser amada. O ódio, para mim, é o responsável pelo “mal-estar” que desequilibra as relações sociais. Na família, no trabalho, na igreja, em qualquer ambiente social, o ódio desagrega, desarmoniza. O triste é que ele não tem cura. Não há como eliminá-lo da natureza humana. Porém, é possível mantê-lo sobre controle por meio de um processo educacional em que predomine a empatia, a consciência do bem comum. A gentileza é geradora de gentileza quando a reciprocidade do respeito é questão prioritária.

Promover o ódio consiste em ações desestabilizadoras das relações sociais. No atual momento, estamos vivendo um período caótico, porque se tem desencadeado uma dissonância cognitiva coletiva. Os acordes dissonantes da ira têm desafinado a lira social. O terror ideológico, o segregacionismo, os desrespeitos ao Estado de direito criam uma instabilidade que desestrutura o “bem-estar” da população. 

O “mal-estar” social também é incurável, uma vez que tem as suas raízes no mundo interior dos homens. Porém, é possível ser apascentado pelo diálogo que harmoniza as divergências.  A diplomacia precisa prevalecer entre os poPatologias sociaisvos, entre grupos que pensam de formas antagônicas. Não se deve combater a injustiça com vingança, mas com amor. A justiça deve prevalecer para o bem de todos. O posicionamento crítico sempre deve existir, é salutar. Porém, quando exercido sem respeito ao posicionamento contrário vira agressão. Não há mais espaço para a intolerância. Vamos de Paz e Bem. Vamos manter a ternura. Vamos de mãos dadas…

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