Paulo Francis, Memória Nacional e Eleições

08/10/2022 08:00
Por Gastão Reis

Foi só pouco depois de voltar dos quatro anos de estudos na Universidade da Filadélfia, nas áreas de economia e economia regional, nos anos iniciais da década perdida de 1980, que me dei conta de que a História do Brasil não era bem aquela que me foi ensinada. Me lembrei deste fato ao ler o livro de Paulo Francis (PF), “Trinta anos esta noite – O que vi e vivi”, que é um depoimento de um jornalista arguto e bem-informado, em que traça um triste retrato do Brasil republicano ao longo do século XX. E se equivoca quando aborda o século XIX e a própria colonização portuguesa.

Em linhas gerais, ele acerta em 80% do que afirma, mas em 20% não atinge o ponto nevrálgico da desdita do Patropi por desconhecer novas pesquisas, que só surgiram após sua morte em 1997. De toda forma, sua lucidez no que acerta é admirável, pois sua antevisão ainda não tinha sido respaldada por livros como os dos professores Gustavo Franco, da PUC-Rio e ex-presidente do Banco Central, e de Celso Pastore, do IPE/USP, que comprovam os desacertos históricos de que fomos vítimas ao longo do século XX, com a presença militar nas áreas política e econômica para as quais os militares não têm formação nem competência adequadas.

Vamos, primeiro, à parte mais saborosa e correta de seu livro. A primeira cacetada dele foi sobre Marx, na avaliação de Bertrand Russell. Este, ainda moço, se deu ao trabalho de ler Marx (eu li página por página, por volta de 1975, num curso do Prof. Lauro Campos, na UnB). E aqui vai o que PF diz sobre a visão de Russell a respeito de Marx: “Viu logo que era bobagem, brilhantemente articulada e exposta por um gênio, mas bobagem científica.” Acrescento que nem a teoria do valor trabalho e muito menos a luta de classes como motor (enguiçado, claro!) da História se sustentaram cientificamente.

Em relação a Carlos Lacerda, dizia que perdia as estribeiras no ataque. Mas, pessoalmente, dava para argumentar com ele racionalmente. No entanto, quando se “sentava para escrever, à la Kafka, a mão do demônio baixava nele”.      

E não deixava de reconhecer a superioridade intelectual e social de Lacerda. Diz ainda que a incapacidade de Jango, na época, era moeda corrente até na esquerda. E relembra das “restrições mentais” de que falava o Mal. Lott quando temos que defender nossa gente. E por isso Francis investia contra Lacerda na Última Hora, jornal cujo dono, Samuel Wainer, era getulista.

Contra o que afirma a sabedoria convencional, diz que o governo americano não participou ativamente da assim chamada revolução de 1964. Afinal, a visão intervencionista e isolacionista na economia de nossos militares, era um presente que as esquerdas adoraram, em especial no período pós-Castello Branco. E estava muito longe daquilo que era uma espécie de religião para os gringos. 

Debocha da visão do famoso cronista Carlinhos de Oliveira, que afirmava que a recusa à influência europeia e dos Estados Unidos era uma forma de autonomia cultural. E de emburrecimento, acrescento eu. Os romanos, com todo seu poderio bélico, inteligentemente, absorveram a cultura grega a ponto de os patrícios (classe alta) terem professores gregos (escravos) em casa para ensinar a seus filhos a ler e a escrever em grego e a pensar com clareza. Aprender com quem sabe mais é prova bom senso, nem sempre o nosso forte. 

Passemos agora às pisadas em falso de Paulo Francis em seu livro. A que mais me chamou a atenção foi sobre D. Pedro I, em que ele teria afirmado que faria tudo pelo povo, mas nada para o povo. E não me pareceu ter sido erro de impressão. Na verdade, D. Pedro I afirmou o contrário: “Tudo para o povo, nada pelo povo.” A sutileza não percebida na frase era a preocupação de evitar que o populismo pudesse pôr fim à democracia. Cuba, Venezuela e Nicarágua, hoje, deixam claro esse processo de corrosão da democracia. A outra foi quando PF afirma: “No Brasil, meu palpite é que a estagnação se tornou a ordem do dia no governo de Pedro II.” Por certo, um palpite infeliz. No meu livro, “História da Autoestima Nacional”, na pág. 202, dou prova de que o PIB real per capita cresceu, e muito.  

O interessante, no caso do Paulo Francis, um intelectual bem-informado, e de muita gente boa, é que pontos cruciais de nossa história foram expostos de modo a trucidar nossa autoestima como povo. Comprova também que nós não nos demos conta do apagão proposital do que realmente foi o nosso século XIX.  Em boa medida, resultou da influência deletéria do positivismo ao tomar conta da cabeça de nossos militares e de boa parte da elite civil. Eu fui vítima desse apagão até meus 40 anos, no início da década de 1980, quando comecei a desconfiar do conto do vigário que tinham me empurrado goela abaixo.

Quanto às eleições presidenciais no segundo turno, está em jogo nossa capacidade de reafirmar o que as urnas deixaram claro na composição da câmara e senado. A opção conservadora da população não deve ser confundida como sendo de extrema direita. A candidatura Lula revela que os padrões morais estão em baixa. É preciso muita ingenuidade para não enxergar que Lula é um mentiroso (e corrupto) contumaz, legítima expressão da cara de pau. Um triste exemplo do que está ocorrendo é o PSDB em que seus pais fundadores se transformaram em padrastos e coveiros de sua própria cria. Interesses regionais estão sendo colocados acima dos nacionais. Mas não conseguiram enganar a população que soube defenestrar a velha (e corroída) guarda com a melhor arma da democracia – o voto. O Brasil vive hoje um momento de fazer as pazes com o passado e de conhecer melhor quem são os arautos do futuro. Certamente não é a sigla do PT, manchada por corrupção e enganação do povo. Este soube dar a resposta certa nas eleições legislativas. Cabe terminar o serviço, colocando no poder executivo federal alguém alinhado com valores que precisam ser conservados e não abandonados. Mãos à obra.

(*)Nota: Link para uma live minha, “Construção, Desconstrução e Reconstrução da Autoestima Nacional”: https://youtu.be/fdeYAFRGqkI, que nos redireciona, e em que comento meu terceiro livro HISTÓRIA DA AUTOESTIMA NACIONAL.

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