Paulo Guedes em dois tempos

19/07/2020 12:00

Eu me lembro bem de uma entrevista do ministro Paulo Guedes a um grupo de seis jornalistas (contra um!) na TV Globo, no início do governo Bolsonaro. Era visível o desconforto dos entrevistadores com a lucidez das respostas do ministro. Em 5.7.2020, Guedes foi convidado pela CNN Brasil para falar sobre a retomada econômica em que se revezavam Rafael Colombo e William Waack. A diferença é que havia um clima de respeito ao ministro e perguntas argutas.

Antes de comentar a entrevista, faço referência a dois artigos publicados, em 7.7.2020, em O Globo. O primeiro, intitulado Guedes Reformado, de Carlos Andreazza, revela desconhecimento da Escola de Economia de Chicago e suas propostas de cunho social defendidas pelo Nobel M. Friedman. O segundo, de Míriam Leitão, Guedes indica tendência no G5, onde ela não perde, mais uma vez, a tendência de dar aulas de economia ao ministro. E acaba fazendo um retrospecto limitado da entrevista dele à CNN. Vamos então à dita cuja.

De saída, Guedes compara os EUA, com 30 milhões de desempregados, com o Brasil, onde conseguimos preservar 12 milhões de empregos com a redução proporcional de salário e jornada, flexibilizando as leis trabalhistas. Inclusive gastamos, proporcionalmente, 10% a mais na crise do coronavírus do que a média dos países europeus. O crédito do setor privado aumentou mais do que o público. 3,2 milhões de empresas, boas pagadoras, podem ir aos bancos e se financiarem em até 30% do faturamento médio. Bom lembrar que as micro e pequenas empresas continuam tendo dificuldade de ter acesso aos créditos disponíveis. Em vídeoconferência de que participei, sugeri ao vice-presidente de negócios do BB, Carlos Motta, a fazer gestões para reativar o cartão BNDES, crédito automático na veia destas empresas. Sugestão aceita.

Quanto ao crédito às grandes empresas, como nas áreas de aviação e automotiva dentre outras, em sérias dificuldades face à paralisação dos voos e das vendas de carros, respectivamente, manteve contatos com elas e lhes propôs emitirem debêntures conversíveis para aliviar o aperto de caixa. Ajudamos agora, disse, e o governo consegue se ressarcir depois, antevendo aqui a boa gestão do déficit público mais à frente, que não é sua maior preocupação no momento, mas sim, saúde, emprego e renda.    

Como um grande mal sempre revela algo importante, ele mencionou que a COVID-19 nos permitiu identificar o fato assustador de 38 milhões de brasileiros na informalidade contra apenas 33 milhões com carteira assinada. Este é um poderoso argumento a favor do imposto sobre transações de qualquer tipo e não a ressurreição da CPMF como a mídia vem divulgando. O argumento de que é regressivo se desmonta quando a FGV nos informa que quem ganha até 2 salários mínimos ao gastar um real já deixa, hoje, 50 centavos na mão do governo. Existe alguma coisa mais regressiva?

Em determinado momento da entrevista, William Waack cita Keynes: “Mudo de opinião quando os fatos mudam”. E pergunta: “O senhor fez isso?” Guedes responde que um economista liberal prefere conter gastos públicos a aumentar impostos. E responde com o próprio Keynes que a economia é como uma caixa de ferramentas. Você vai lá e lança mão daquelas que são adequadas à situação em questão. Aumentar impostos normalmente leva, ou reflete, a elevação do gasto, expondo a má gestão dos recursos públicos. As facilidades concedidas deverão ser retiradas em 2021, alerta o ministro.

Em seguida, ele nos relembra que hoje o Brasil tributa muito o consumo e pouco a renda. No exemplo anterior, no mesmo estudo da FGV, somos informados que quem ganha dez salários mínimos paga 33 centavos de impostos sobre cada real gasto. E menos centavos ainda quanto mais altas forem as faixas de renda. Na verdade, o país vem aumentando impostos há 30 anos. E foi assim que caímos na armadilha do baixo crescimento em que o governo não investe e não deixa investir pelo sobrepeso da carga tributária. O Brasil gasta muito e mal; transfere renda para os ricos; e paga salários eleva-dos nos extratos superiores do setor público, bem acima dos do setor privado.

No plano da continuação das reformas reestruturantes, Guedes aponta para a aprovação da de infraestrutura (saneamento) pelo congresso, livrando-nos do quase monopólio do setor público.  A situação é praticamente idêntica à das antigas empresas estaduais de energia elétrica ou de telefonia, em que o empreguismo e a corrupção andavam de mãos dadas. Também está em andamento a do gás natural, crítica para baratear o preço da energia.  Pretende voltar ao sistema de concessão ao invés do de partilha na exploração do petróleo. Foi sintomática a ausência das grandes petroleiras no último leilão de áreas de exploração do setor em função do atual modelo.

A proposta continua a ser de derrubar o altíssimo Custo Brasil. Nessa linha, vai abrir espaço para o setor privado investir, criando incentivos corretos via redução da taxa de juros (SELIC hoje de 2,25% a.a.); e regularidade e previsibilidade dos contratos assinados com o setor público. A triste 109ª posição em facilidade de fazer negócios no Doing Business tem que ser revertida para ficar entre as 50 primeiras para atrair capitais externos.

No final, Guedes reafirma sua posição a favor das forças de mercado, ciente de suas falhas (bem menores que as de governo!) e da necessidade de o governo atuar nas graves. Afirma que regimes dirigistas corrompem a política. Termina com uma mensagem otimista: vamos vencer as duas ondas, a da saúde e da crise econômica, em direção ao crescimento sustentado. 

Ainda que fugindo do escopo da entrevista, cabe lembrar que a reforma político-institucional, com voto distrital puro e recall, é crítica para instalar um regime parlamentarista eficaz com Chefe de Estado hereditário, um fiscal que não deverá favores a partidos políticos e a grupos econômicos,  restauran-do assim a confiança do cidadão em seus dirigentes, hoje inexistente. 

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