Pavê de jaca

21/03/2016 10:40

A crônica não precisa do rigor formal das teses universitárias.  Pode ser vista como o nó folgado da gravata, com o paletó pendurado no encosto da cadeira e com as mangas da camisa dobradas. Em síntese, a crônica é descontraída, mas sem perder a elegância. Por isso há espaço para o humor discreto, inteligente, sutil, movido por um posicionamento coerente e terno.  É possível pensar alto sem agredir, sem a truculência do ódio. 

A indignação está aberta a todos. E deve ser manifestada principalmente quando se depara com a injustiça, com os péssimos serviços prestados à sociedade e diante dos inescrupulosos desvios de verbas públicas para atender a interesses pessoais ou de um determinado grupo que se sente privilegiado pelo cargo que ocupa.

 Por ser um leitor compulsivo, tenho me deparado com vários textos que malham os mesmos judas. Não discordo do que se protesta, nem do que se contesta. A minha discordância recai sobre o nível de linguagem. Há uma agressão verbal gratuita que desmerece o texto. O leitor merece respeito. A ele, cabe o direito de posicionar-se à direita, à esquerda, ou ficar indiferente em cima do muro.  E, independente da posição que ocupa, deve ser respeitado.

Qualquer pessoa que assume uma vida pública, tanto nas artes como na política, está sujeita a críticas, além de julgamentos pessoais pautados em critérios relativos. O meu fascínio pela Literatura levou-me pelas veredas da Poesia. Mas a cada dia, vejo o quanto ainda tenho que aprender quando leio Fernando Pessoa. A crônica veio como um rio que bate em suas margens para ampliar o leito. A linguagem organiza o pensamento. Mas nem sempre o pensamento se vê organizado na linguagem. É difícil por no papel exatamente o que se pensa e como se pensa. E, quando se publica um texto, não se tem a dimensão do que ele possa atingir. 

Há um mês, publiquei uma crônica, na qual externava o meu gosto por jaca. A reação de alguns leitores amigos foi muito interessante: pessoas que eu achava que poderiam gostar dessa deliciosa fruta a detestam; outras, pelo jeito de ser, eu achava que não gostariam, no entanto, são fascinadas. 

Uma amiga, que não perde a oportunidade de militar, até me sugeriu a criação de um grupo no WhatsApp para reunir as pessoas que gostam de jaca. Claro que não embarquei nessa, pois não tenho tempo para assumir mais esse compromisso. Quando já dava o assunto por encerrado, eis que encontro, em uma reunião acadêmica, uma queridíssima amiga, por quem tenho grande admiração. Após cumprimentarmo-nos, tirou da bolsa um envelope e me entregou. Falou espontaneamente de forma que todos ouviram: – não mostra isso pra tua esposa. 

Os amigos que estavam próximos viram a cena. Ficaram curiosos. Abri o envelope na frente deles. Diante do meu sorriso, a curiosidade aumentou. Um silêncio se fez por alguns segundos. Olhei para todos e falei: – é uma receita de pavê de jaca com banana.

– Li a sua crônica e adorei! Também adoro jaca. Faço um pavê de jaca com banana delicioso. Se quiser, posso fazer pra você, pois sei que sua esposa nem põe a mão em jaca.

Uma amiga, que ouviu a conversa, também se manifestou com outra receita: 

– Eu cozinho a jaca inteira, com casca e tudo, na panela de pressão. Faço salgada, tempero bem, fica uma delicia… 

Já comi muito caroço de jaca cozido. Mas da casca, ainda não provei. Vivendo e aprendendo.

P.s: Que país surgirá desse lamaçal? Se eu não tivesse a certeza de que as flores podem brotar sobre o esterco, já teria perdido a esperança. O que se vê é um desrespeito a quem deu a vida pela liberdade desta Nação.


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