Pedidos de recuperação judicial devem subir
O número de pedidos de recuperação judicial pode chegar a 1,8 mil em 2021, uma alta de 53% em relação ao ano passado, prevê a consultoria Alvarez & Marsal em estudo obtido pelo Estadão/Broadcast. A quantidade remete a patamares observados na crise de 2015 e 2016, quando uma das mais agudas crises econômicas levou grande número de empresas a pedir proteção judicial para negociar com seus credores.
O aumento atingirá principalmente micro e pequenas empresas e será reflexo dos efeitos econômicos da pandemia de covid-19. Esses impactos estão “adormecidos” porque o governo atuou fortemente em 2020 para ajudar companhias e famílias, minimizando o golpe do vírus sobre a atividade e o caixa das empresas. Houve adiamento de pagamento de tributos, possibilidade de reduzir jornada e salário ou suspender contratos de trabalhadores, renegociações de empréstimos e concessão de novos financiamentos.
No ano passado, foram registrados 1.179 pedidos de recuperação judicial no Brasil, uma queda de 15% em relação a 2019, segundo dados do Serasa Experian. O recuo deve ser analisado com cautela justamente por causa das medidas do governo e porque a calamidade levou bancos e outras instituições a serem mais flexíveis em negociações de débitos.
Grande parte dos pagamentos e compromissos postergados, porém, começará a vencer entre março e abril deste ano, afirma o sócio-diretor da A&M, João Paulo Carvalho. É quando se completa um ano do primeiro pico da pandemia no Brasil, que motivou as renegociações e as medidas de ajuda. “Quem ganhou um ano de carência (num financiamento) começa a ter de honrar esses compromissos. Há uma pressão de caixa voltada para pagar o serviço da dívida. Sem ter como pagar, mais empresas devem pedir proteção”, afirma.
Segundo Carvalho, após a queda de 2020, o total de pedidos de recuperação judicial deve retomar a trajetória de alta no fim do primeiro trimestre de 2021 e atingir seu pico no fim do ano.
O número ainda pode sofrer variações porque a consultoria identificou uma forte correlação entre os pedidos de recuperação judicial e o desempenho do PIB nos 12 meses anteriores – quebrada apenas durante a pandemia porque os socorros atenuaram os efeitos da crise. Isso significa que, se a retomada do crescimento naufragar em 2021, capaz de levar a alta no PIB para menos de 2%, o número de pedidos pode ser bem maior.
Lei de falências
A avaliação da consultoria, porém, é que a nova Lei de Falências, que entrou em vigor no último sábado, pode suavizar esse número ao facilitar as negociações extrajudiciais entre credores e devedores, inclusive para débitos trabalhistas. A lei reduziu o quórum necessário para a aprovação de uma reestruturação desse tipo, sem intervenção da Justiça de 66% dos credores para 50%.
Mesmo para casos em que o pedido de recuperação é formalizado junto à Justiça, há o incentivo para uma negociação prévia, durante 60 dias, para ver se há possibilidade de acordo entre os envolvidos para saldar as pendências. Nesse período, as execuções de dívidas ficam suspensas.
Outro benefício é que a lei vai garantir a bancos que emprestarem dinheiro novo à empresa em recuperação judicial a preferência do recebimento do crédito em caso de decretação de falência. Isso vai proporcionar fôlego novo às companhias que, geralmente, enfrentam dificuldades de caixa. Hoje, os bancos não têm incentivo a conceder os financiamentos porque arcariam com todo o custo de provisionamento de seus recursos em seu balanço, mas entrariam na fila como qualquer outro credor.
Apesar das vantagens da lei, o sócio-diretor diz que há pontos que tiram a atratividade das empresas, devido aos vetos feitos pelo presidente Jair Bolsonaro. Um deles anulou o dispositivo que buscava pacificar o entendimento de que não incide PIS/Cofins sobre descontos obtidos durante negociações de dívidas ou outros passivos.
Esses descontos são considerados uma receita do ponto de vista contábil e, por isso, a Receita costumava exigir o recolhimento do tributo, mas essa tese já foi derrubada em algumas instâncias judiciais. A lei buscava pacificar o entendimento, mas o artigo foi vetado, mantendo o impasse.
“A tendência é a empresa não ter condição de honrar o compromisso (tributo) integralmente. Isso penaliza o devedor e o credor, impacta o caixa da empresa”, afirma Carvalho. Entre advogados e até mesmo entre técnicos do governo, há a expectativa de que esse veto seja derrubado pelo Congresso Nacional.
“As mudanças trazem benefícios ao processo da recuperação judicial, especialmente com relação à venda de ativos. Um ponto importante, que será acompanhado de perto pelo mercado, é a forma de atuação do Fisco, que ganha relevância na dinâmica de negociação do plano de recuperação judicial”, avalia o advogado Roberto Zarour Filho, sócio do Lefosse Advogados. Ele se refere ao ponto da lei que garante à Receita Federal e à PGFN pedirem a falência da empresa que deixar de honrar suas dívidas tributárias, para as quais há uma negociação especial dentro do processo de recuperação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.