17/07/2022 08:00
Por Ataualpa A. P. Filho

O “invisto” é que forma o ser. No impalpável, está a consistência do caráter. A dimensão do humano encontra-se no servir. O amor pode ser mensurado pela doação, pela entrega. A imaterialidade que nos move expõe valores, evidenciando as prioridades nas relações sociais.

No belo conto “O Espelho – Esboço de uma Nova Teoria da Alma Humana”, um personagem de Machado de Assis afirma: “Cada criatura humana traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro…”

E, para enxergar a imaterialidade a que me refiro, o ângulo de visão tem que ser “de fora para dentro”. Mas é preciso fazer “a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo”, como afirmara Carlos Drummond: “pôr o pé no chão/ de seu coração/ experimentar/ colonizar/ civilizar/ humanizar/ o homem/ descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas/ a perene, insuspeitada alegria/ de con-viver.”

Não se trata aqui de decifrar enigmas, mas de “conhecer a si mesmo” para favorecer a convivência consigo e com o próximo. Viajar pelo mundo interior requer coragem, uma vez que deparamos com as nossas carências e limitações. Aceitar as próprias imperfeições ajuda no reconhecimento dos erros cometidos, passo importante no aprimoramento de virtudes.

Guimarães Rosa, no conto também intitulado “O Espelho”, afirmara: “o tempo é o mágico de todas as traições… E os próprios olhos, de cada um de nós, padecem viciação de origem, defeitos com que cresceram e a que se afizeram, mais e mais. Por começo a criancinha vê os objetos invertidos, daí seu desajeitado tactear; só a pouco e pouco é que consegue retificar, sobre a postura dos volumes externos, uma precária visão. Subsistem, porém, outras pechas, e mais graves. Os olhos, por enquanto, são a porta do engano…”

O narcisismo é uma prisão. Quem idolatra a própria imagem está fadado à solidão. O pior vazio consiste em não ter ninguém no coração. O amor abre as algemas que prendem ao egocentrismo. É preciso aprender a enxergar o outro e aceitá-lo na reciprocidade que o respeito exige. Quando o amor prevalece, a vida é exaltada, pois a presença da pessoa amada nos faz bem. Obviamente, conclui-se que a violência é fruto do desamor. Estão explícitas, na realidade, as ações movidas pelo ódio e pelo amor: – onde se encontra a covardia?…

– Como caminha a humanidade?…

Essa pergunta sempre desponta quando os nossos olhos se deparam com tragédias provocadas por ódio e vinganças. A insanidade da guerra também reflete o que há no interior do homem: a ganância, a obsessão pelo poder, a intolerância, avareza, o acúmulo de riqueza…

Quem se odeia não encontra razões para pacificar o ambiente em que vive. O alargamento de fronteiras tem sido motivo de guerra ao longo de séculos. A fome do poder tende a alimentar-se pela expansão territorial, pela destruição de povos, de culturas. E, consequentemente, a política armamentista ganha espaço, porque o outro é visto como adversário, uma ameaça constante. Para que a paz esteja sempre conosco, é preciso penetrar no coração humano e regar o amor para florir o perdão.

Acredito que os mansos, bem-aventurados, herdarão a Terra. Deus não é estagnado. Não é estático. As ações divinas ocorrem ininterrompidamente. Neste instante, em alguma parte do mundo, está acontecendo um milagre, nós é que não sabemos. A profusão do Amor vai além dos nossos olhos. No conto aqui citado de Guimarães Rosa, há um trecho que diz: “Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo.”

Considero um equívoco espelhar-se em quem professa o ódio. A vingança é um dos vírus proliferadores da violência. Posicionar-se ao lado do Bem consiste nesta árdua missão de cultivar a paz entre os homens.

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