Perigosa nuvem de fumaça nos EUA e Canadá: um risco comum nos países em desenvolvimento
O ar denso e esfumaçado dos incêndios florestais no Canadá causou dias de sofrimento na cidade de Nova York e no nordeste dos EUA na última semana. Mas para grande parte do resto do mundo, respirar ar perigosamente poluído é um fato inevitável da vida – e da morte.
Praticamente o mundo inteiro respira ar que excede os limites de qualidade do ar estabelecidos pela Organização Mundial de Saúde, pelo menos esporadicamente. O perigo aumenta quando esse ar de qualidade ruim é mais duradouro que a mortalha assombrosa que envolveu os EUA, o que normalmente acontece em países em desenvolvimento ou recém-industrializados. Foi neles que ocorreu a maioria das 4,2 milhões de mortes atribuídas à poluição atmosférica em 2019, segundo a OMS.
“A poluição atmosférica não tem fronteiras, e é hora de todos se unirem para combatê-la”, disse Bhavreen Kandhari, cofundadora da organização indiana “Warrior Moms” (Mães Guerreiras), uma rede de mães que lutam por ar puro e ação pelo clima em um país onde a qualidade do ar é consistentemente uma das piores do mundo. “O que estamos vendo nos EUA deveria abalar a todos nós.”
?É um episódio grave de poluição atmosférica”, diz Jeremy Sarnat, professor de saúde ambiental na Escola Rollins de Saúde Pública da Universidade Emory. “Mas é bastante típico do que milhões de pessoas vivenciam em outras partes do mundo.”
No ano passado, nove das 10 cidades com as maiores médias anuais de material particulado fino estavam na Ásia – incluindo seis na Índia, segundo a empresa de qualidade do ar IQAir, que reúne leituras de estações de monitoramento no nível do solo em todo o mundo.
O material particulado fino, algumas vezes chamado de MP2,5, se refere às partículas ou gotículas transportadas pelo ar com 2,5 mícrons ou menos. É um tamanho muito menor que um fio de cabelo humano, e as partículas podem atingir profundamente os pulmões e causar irritação nos olhos, nariz, garganta e pulmões, e até afetar a função cardíaca.
Sajjad Haider, um comerciante de 31 anos em Lahore, no Paquistão, vai de motocicleta para o trabalho diariamente. Ele usa máscara e óculos de proteção contra a frequente poluição atmosférica na cidade de 11 milhões de habitantes, mas sofre de infecções oculares, problemas respiratórios e congestão no peito, que pioram quando o smog aumenta, no inverno.
Seguindo recomendações médicas, ele usa água quente e vapor para limpar as vias aéreas, mas diz que não consegue aplicar a outra recomendação de seu médico: não sair de moto se quiser preservar a saúde.
“Não consigo comprar um carro e não tenho como seguir com meus negócios sem uma motocicleta”, diz Haider.
No ano passado, Lahore teve a maior concentração média mundial de material particulado fino, cerca de 100 microgramas por metro cúbico de ar. Em comparação, a concentração na cidade de Nova York chegou a 303 em determinado momento da última quarta-feira.
O ar de Nova York, porém, normalmente fica bem dentro dos níveis saudáveis. O padrão da Agência de Proteção Ambiental dos EUA para exposição é não mais do que 35 microgramas por dia, e não mais de 12 microgramas por dia para exposição de longo prazo. A média anual de Nova York foi igual ou inferior a 10 nos últimos dois anos.
Nova Délhi, uma cidade movimentada de mais de 20 milhões de habitantes, onde mora Kandhari, normalmente está no topo da lista de muitas cidades indianas com dificuldade de respirar enquanto a neblina torna o céu da capital cinzento e obscurece prédios e monumentos. É pior no outono, quando a queima de resíduos de colheita nos estados vizinhos coincide com as temperaturas mais baixas que retêm a fumaça nociva sobre a cidade, às vezes por semanas.
As emissões de veículos e os fogos de artifício usados durante o festival hindu Diwali contribuem para a escuridão, e entre os resultados estão tosse, dores de cabeça, atrasos nos voos e engavetamentos nas rodovias. O governo às vezes pede aos habitantes que trabalhem de casa ou organizem caronas, algumas escolas passam a dar aulas online, e as famílias com melhores condições recorrem aos purificadores de ar.
Na quinta-feira, mesmo depois que uma neblina insalubre perturbou a vida de milhões de pessoas nos EUA, Nova Délhi ainda era a segunda cidade mais poluída do mundo, segundo os dados diários da maioria das organizações de monitoramento da qualidade do ar.
Kandhari, cuja filha precisou desistir dos esportes ao ar livre após problemas de saúde relativos à qualidade do ar, diz que a poluição atmosférica é constante, mas os formuladores de políticas parecem só prestar atenção nos momentos mais críticos. Ela diz que isso precisa mudar.
“Não devemos fazer concessões quando se trata do acesso a um ar mais puro”, entende.
Muitos países africanos na região do deserto do Saara frequentemente têm problemas com qualidade ruim do ar em razão das tempestades de areia. Na quinta-feira, o site AccuWeather deu aos países entre Egito e Senegal a classificação roxa, para qualidade perigosa do ar. Foi a mesma classificação dada esta semana para Nova York e Washington, nos EUA.
Senegal sofre com insegurança atmosférica há anos. O problema é especialmente grave no leste do país, onde a desertificação – a invasão do Saara sobre as terras secas – carrega partículas para a região, diz o Dr. Aliou Ba, um importante ativista do Greenpeace África que reside na capital, Dacar.
A Grande Muralha Verde, uma enorme iniciativa de plantio de árvores com o objetivo de reduzir a desertificação, está em curso há anos. Ba, porém, diz que a poluição vem piorando à medida que aumenta o número de carros pelas ruas, usando combustível de baixa qualidade.
Nos EUA, a aprovação da Lei do Ar Limpo, em 1970, limpou muitas cidades tomadas pelo smog ao estabelecer limites para a maioria das fontes de poluição atmosférica. A regulação histórica levou a restrições sobre fuligem, smog, mercúrio e outros produtos químicos tóxicos.
Mas muitos países em desenvolvimento ou recém-industrializados têm uma legislação ambiental fraca ou pouco aplicada. Eles sofrem com o aumento da poluição atmosférica por outros motivos, também, como a dependência do carvão, padrões menos rígidos de emissões veiculares e queima de combustíveis sólidos para cozinha e aquecimento.
Em Jacarta, capital da Indonésia, o quarto país mais populoso do mundo, muitas vezes é difícil encontrar um céu azul claro, e as usinas de energia e emissões veiculares respondem por boa parte da poluição. O país também é um dos maiores produtores mundiais de carvão.
Em um prédio de apartamentos no norte da cidade, entre dois portos movimentados onde o carvão é embarcado e armazenado e onde as fábricas mais queimam, os moradores tentaram filtrar a poeira de carvão com uma rede. Não funcionou.
“Eu e minha família frequentemente sentimos coceira e tosse”, conta Cecep Supriyadi, um morador de 48 anos. “Então, quando há muito pó entrando no apartamento, sim, precisamos ficar isolados em casa. Porque quando estamos fora de casa, a sensação é de dor de garganta, dor nos olhos e coceira na pele.”
Em 2021, um tribunal decidiu que os governantes haviam negligenciado o direito dos cidadãos ao ar puro, e determinou que tomassem medidas para melhorar isso.
A China já melhorou desde a época em que Pequim era conhecida pela poluição que fazia os olhos lacrimejarem e envolvia torres de escritórios em névoa, desviava voos, e levava jovens e idosos aos hospitais para serem colocados em respiradores. Quando o ar estava em seus piores níveis, as escolas que tinham condições para isso instalaram coberturas infláveis sobre os campos de prática de esportes com portas giratórias do tipo câmara de ar, e os filtros de ar domésticos se tornaram tão comuns quanto as panelas de arroz.
Foi fundamental para a melhora fechar ou transferir as indústrias pesadas para fora de Pequim e das áreas próximas. Os veículos mais antigos foram removidos das vias, muitos deles substituídos por veículos elétricos. A China ainda é o maior produtor e consumidor de carvão do mundo, mas quase nada é consumido no âmbito das ruas. A leitura média de MP2,5 em Pequim, que em 2013 era 89,5 – muito acima do padrão da OMS, de 10 – caiu para 58 em 2017, e agora está em torno de 30. Na China, havia apenas uma cidade, Hotan, entre as 10 com pior qualidade do ar no mundo.
A Cidade do México, cercada por montanhas que retêm o ar de baixa qualidade, era uma das cidades mais poluídas do mundo até a década de 1990, quando o governo começou a limitar o número de carros nas ruas. Os níveis de poluição caíram, mas os 9 milhões de habitantes da cidade – 22 milhões, se incluída a periferia – raramente passam por um dia em que os níveis de poluição atmosférica sejam considerados “aceitáveis”.
Todos os anos, a poluição atmosférica é responsável por cerca de 9.000 mortes na Cidade do México, segundo o Instituto Nacional de Saúde Pública. Normalmente é pior no inverno seco e nos primeiros meses da primavera, quando os agricultores queimam os campos em preparação para o plantio.
As autoridades não divulgam um relatório anual de qualidade do ar desde 2020, mas naquele ano, que não foi considerado especialmente ruim em termos de poluição, porque a pandemia reduziu o tráfego, a Cidade do México teve qualidade do ar inaceitável durante 262 dias, 72% do ano.
Nos meses de verão, a chuva intensa limpa um pouco o ar da cidade. Foi isso que levou Verónica Tobar e seus dois filhos a sair na quinta-feira para um parquinho no bairro de Acueducto, perto de uma das avenidas mais congestionadas da cidade.
“Não venho quando vemos que a poluição está muito forte”, diz Tobar. Nesses dias “você sente nos olhos, lacrimeja, eles coçam”, explica ela.
Seu filho foi diagnosticado com asma no ano passado, e as mudanças de temperatura agravam o problema.
“Mas precisamos sair, não precisamos ficar presos”, disse Tobar enquanto seus filhos pulavam de um escorregador.
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*Naishadham escreveu de Washington. Contribuíram para esta matéria Yu Bing, pesquisador da Associated Press em Pequim, e os jornalistas Babar Dogar em Lahore, Paquistão; Mark Stevenson e Teresa de Miguel, na Cidade do México; Sheikh Saaliq, em Nova Délhi; Sam Mednick, em Dacar, Senegal; Edna Tarigan e Victoria Milko, em Jacarta, Indonésia; e a jornalista de dados Camille Fassett, em Seattle, EUA.