‘Pérola’ é a nova ‘Minha Mãe É Uma Peça’ do cinema brasileiro, com brilho de Drica Moraes

26/09/2023 10:41
Por Luiz Carlos Merten / Estadão

Minha mãe é uma peça. Não, não estamos falando de Dona Hermínia, a memorável criação de Paulo Gustavo. Mamãe era uma peça de Mauro Rasi – Pérola – que agora virou filme de Murilo Benício com Drica Moraes. Pérola chega aos cinemas na quinta-feira, 28. Pérola – o filme – abre-se com a imagem de um homem de costas para a câmera, e frente ao mar. Ele chora a morte da mãe, mas o luto vira outra coisa. Uma celebração da vida, do humor. Um filme almodovariano? Nas cores, sim.

Para Drica, Pérola é um filme sobre aceitação e transformação pelo afeto. Papai adora criar novos drinks. Possui a receita de mais de 30 deles. Mamãe é sua cobaia. Pérola/Drica passa pelo filme sempre com um copo na mão. O mantra da família vira um quadro na parede. Sabe a velha história do “se a vida te oferece um limão, transforma em limonada”? Aqui vira “se a vida te oferece um limão, transforma em caipirinha.”

Em meados dos anos 1990, Murilo Benício, então um jovem ator, foi chamado por Mauro Rasi para fazer a peça sobre suas tias. Ele não apenas conheceu o autor, apaixonou-se por sua outra peça – Pérola. Chegou a dizer a Rasi que ela devia virar filme, e ele ia fazê-lo.

Sucesso no teatro

No palco, Pérola foi um memorável sucesso. Anos em cartaz, mais de 300 mil espectadores. Vera Holtz era um arrasa-quarteirão no papel. Arrastava a peça num turbilhão de emoções. Em 2015, Benício estreou como diretor, propondo, com sua versão de Beijo no Asfalto, de Nelson Rodrigues, uma nova forma de diálogo entre teatro e cinema. Três anos depois, ele fez Pérola, que só agora, por causa da pandemia, chega às salas. O tempo havia passado. Vera não cabia mais no papel. Quem? Drica Moraes! Prepare seu coração.

Está sendo um ano de grandes interpretações femininas no cinema brasileiro. Lilia Cabral é esplendorosa como a Fátima de Tire 5 Cartas, a comédia de Diego Freitas já em cartaz. Drica está chegando. Em novembro, será a vez de Vera Holtz, a Tia Virgínia. Por meio desses filmes – e de Mussum, o Filmis, de Sílvio Guindane -, o cinema brasileiro tentará reatar com seu público, perdido durante a pandemia. Em março de 2020, quando o Brasil parou por causa da covid, o fenômeno Paulo Gustavo levara mais de 10 milhões de espectadores aos cinemas com Minha Mãe É Uma Peça 3. Um megassucesso. A pandemia fez o público migrar para o streaming, o cinema brasileiro perdeu a conexão com sua plateia. Foi-se o próprio Paulo Gustavo.

Mãe e pai, Drica e Rodolfo Vaz, formam o casal. Leonardo Fernandes é o filho, Maurinho. “É a estreia dele no cinema. Parece-se muito com o jovem Mauro Rasi. É ótimo”, diz Benício, que põe o foco de seu filme na ligação filho/mãe.

Teatro, cinema, TV

Drica brilha em todas as mídias. Recentemente foi vista em Sob Pressão e Os Outros. Viveu uma novela na própria vida. O câncer tirou-a dos holofotes por dois longos anos. Salvou-a o transplante de medula. “Na família ninguém era compatível, mas eu tive a sorte de encontrar um doador.” Quando iniciou sua participação na série Sob Pressão, disse ao Estadão, em outra entrevista: “De hospitais eu entendo. Passei muito tempo neles.” A doutora Vera, infectologista, mexeu com ela. “Gravar durante a pandemia aproximou atores e personagens. A gente tremia. A série acabou. O Júlio (Andrade) não quer mais fazer o Dr. Evandro, e Sob Pressão seria impensável sem ele. Eu cansei, era sangue demais.” O que poderá haver é um filme. Sob Pressão começou com um filme, terminaria com outro.

Na vida, como na tela – Pérola -, Drica é mãe dedicada de um filho menor de idade. Já morou em casa, com jardim, quintal. Bichos, flores. Mora agora num apartamento acolhedor, de dois quartos. Virou, como diz, brincando, “uma soldada da saúde”. Faz ginástica todo dia. Esteira, exercícios com pesos. Novela não faz mais. “É muito tempo, exige demais.” Abandonou Império – e foi substituída por Marjorie Estiano, porque não aguentava mais. Está louca para voltar ao teatro, busca o texto certo. “Tenho algumas ideias, mas nada fechado.” No filme, mamãe não aceita o namorado do filho gay, nem o marido crente da filha. “Não é preconceito, é que ela sonha alto, e nem um nem outro lhe parecem à altura dos filhos.”

A família é interiorana. Mauro sai de Bauru, mas, como diz, Bauru não sai dele. A construção da piscina – o sonho dentro do sonho para quem não tem mar – permeia o relato. Como em Roma, de Alfonso Cuarón, o carro não cabe na garagem, “mas eu filmei primeiro. Se alguém copiou, foi ele”, brinca Benício. Ele trabalha no próximo filme, a terceira direção. “Será uma história original”, é tudo o que diz. Pérola é uma personagem riquíssima, e Drica, de maiô, naquela concha que remete aos mestres renascentistas, nunca esteve mais bela. A chave do filme – quem é, afinal, essa Pérola – vem numa revelação feita pela amiga corretora, Louise Cardoso, no final. Louise, por sinal, está experimentando um renascimento. Está também em Tia Virgínia, no novo filme de Anna Muylaert, O Clube das Mulheres de Negócios, mas essa será outra história.

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