Peter Drucker e o Brasil atual

18/12/2020 15:20

Gastão Reis

Sempre que penso em Peter Drucker, eu me lembro de Dom Pedro II. Como assim, já que viveram em séculos diferentes, me perguntaria você, caro(a) leitor(a)? Simples. Em artigo meu, publicado num domingo, no Jornal do Brasil (JB), em 1º de janeiro de 2006, intitulado “Atualidade de Pedro II”, havia a seguinte frase inicial: “Pedro II é como uma daquelas estrelas que se foram, mas cuja luz continua a nos iluminar.” Peter Drucker merece, sem dúvida, ser agraciado com a mesma e sugestiva metáfora.

Para termos uma noção do peso intelectual na ciência da administração (privada e pública) de Drucker, reconhecido como o homem que a inventou, cabe registrar a avalição de Kenneth Wilson, cientista, reformador educacional e ganhador do Prêmio Nobel: “O que Newton foi para a matemática, Darwin para a biologia e Einstein para a física, Drucker foi para o nosso entendimento de organização e sociedade”. No caso de Drucker, aquela luz (espiritual) que continua a nos iluminar chegou a ponto de, após sua morte, Rick Wartzman, diretor do Drucker Institute, ter sido convidado para escrever a coluna The Drucker Difference (A Diferença Drucker) na revista “Bloombeg Businessweek”. E que depois virou livro intitulado “O que Drucker faria agora?”.

Charles Handy, filósofo social britânico, enfatizou que Drucker “deleita-se em nos surpreender”. Nessa linha, eu me lembro de um vídeo de Drucker, em que ele citava o fato comum de pais serem chamados na escola para serem informados que seu filho ia mal em matemática. Ato contínuo, ele nos lembra que as escolas dificilmente convocam os pais para lhes dizer que seu filho é excepcionalmente bem dotado em redação. Este exemplo ilustra um princípio fundamental de Drucker, que é uma lição de vida: invista nos seus pontos fortes e não perca tempo com aquilo para o quê você não tem vocação. Na visão dele, gastar tempo demais em fortalecer seus pontos francos acaba se revelan-do uma perda de tempo precioso. O segredo é apostar em seus pontos fortes.

Peter Drucker nos adverte que “flashes de genialidade” não chegam muito longe”. Para ele, o que leva um negócio a ser bem sucedido é “o trabalho duro, organizado e determinado”. Cabe aqui recorrer às artes do esquartejador, aquele que vai por partes, para entender o significado profundo da palavra negócio. Ela é composta de duas outras: neg e ócio. O prefixo neg vem do latim, que significa negar. Ócio vem de otium, que se relaciona a lazer ou a não fazer nada. Portanto, negar o ócio é a receita certa para um negócio ir adiante. Negócio em inglês é “business” (ocupação), cujo significado é mais direto, mas o conteúdo de ambas é o mesmo: dar duro, organizar-se e ser persistente.

Outra dimensão muito especial de Drucker foi o respeito de que gozou de executivos de grandes empresas sem nunca ter sido um deles. É bem verdade que, a convite do presidente Alfred Sloan, da GM, ele passou dois anos dentro da gigantesca empresa, participando de reuniões de tomada de decisões e de processos de produção. E ainda realizou inúmeras entrevistas com membros da alta administração sem esquecer dos gerentes e trabalhadores de chão de fábrica. Ele sabia onde garimpar ouro dentro da GM.

Drucker em suas consultorias sempre fazia duas perguntas aos executivos: (i) o que precisa ser feito? e (ii) o que eu quero fazer?, alertando contra o ego na tomada de boas decisões. Quem seguiu o conselho dele à risca foi Jack Welch. Este, em 1981, queria iniciar a expansão internacional da GE, mas logo se deu conta de que o que precisava ser feito era se desfazer de negócios que jamais a levariam a ser o número 1 ou 2 naquele setor. Seguiu o conselho de Drucker. A GE saiu de um faturamento de US$ 13 para US$ 130 bilhões, de 1981 a 2000.

Que lições podemos tirar da visão de Drucker para o Brasil de hoje?

A primeira delas é que nossos políticos, infelizmente, não deram uma resposta à primeira pergunta do que precisava ser feito para colocar o País nos eixos. Eles se perderam na outra pergunta fatal do que eu (nós) quero (queremos) fazer? E foi assim que pariram a constituição de 1988 tão criticada por Roberto Campos. E até por Sarney: o país ficaria ingovernável. Acertaram.

 

Os bastidores da constituinte de 1987-88, como se sabe, foi um festival de cada um por si e Deus (recalcitrante…) por todos. Basta lembrar a quantidade de vezes em que a palavra direitos frequentou o texto diante da modéstia encabulada do termo deveres. Em tempo, a atual constituição portuguesa arrola ao lado de cada direito o dever correspondente do cidadão. A maioria do povo português acredita em milagre, mas não a ponto de pensar que o paraíso possa estar nestas paragens terrestres.

Foi assim que nos perdemos, e começamos a colecionar décadas perdidas. A continuar sem as reformas necessárias, aquelas que Drucker dizia ser as necessárias, vamos continuar a desperdiçar décadas para inteirar a quinta, vale dizer, meio século! Estes alertas têm partido de juristas de calibre como Modesto Carvalhosa, dentre outros que pedem uma nova constituição que des-trave o país. Carvalhosa propôs, em 1994, a lei do bônus por desempenho, exitosa nos EUA, há mais de um século, no combate à corrupção em obras públicas. Justamente por ser eficaz, não foi aprovada.

Fernão Mesquita, em sua publicação Vespeiro, de 14 de dezembro corrente, intitulada “Profissão de fé no povo brasileiro”, põe o dedo na ferida ao afirmar: “Democracia existe quando o povo manda no governo e não existe quando o governo manda no povo”. Ele também nos diz isso com uma charge de um aperto de mãos em que você está ali no meio espremido por u’a mão que são as grandes corporações (em especial setor financeiro) e na outra pelo conjunto das ditas instituições do Patropi, que envolvem os três poderes.

Resta, diante desse quadro, a pergunta: “O que Drucker faria agora?” Ele tomaria o primeiro avião de volta aos EUA. O Brasil é que o teria surpreendido diante de tamanha capacidade de autoboicoite.

 

 

 

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